Financiar o Plano Nacional de Desenvolvimento: um
debate ainda aberto
Abraham B Sicsu
Muitos têm declarado que o problema do Brasil é a
falta de um Projeto de Desenvolvimento. Ouso discordar. Na transição para o
atual Governo, no meu entender, foi elaborado um plano bem definido, com
Missões para resolver os principais problemas nacionais, com objetivos bem
definidos, com metas realistas. Áreas como Educação, Saúde, Inovação, Combate à
Fome, Emprego de qualidade, Moradias dignas, são tratados de maneira clara, com
propostas viáveis.
Se é assim, a questão que fica é o porquê do avanço
ainda lento nas direções desenhadas?
Muitos fatores podem ser apontados nessa direção. Mas,
sem dúvida, dois entraves são os principais, a guerra política, a polarização
radicalizada de nossa sociedade, e a dificuldade de financiamento do planejado.
Quanto ao primeiro, especialistas analisam de uma
maneira clara a polarização e os entraves que a cada momento podem ser
observados. Pouco teríamos a acrescentar.
Nossa preocupação atual é no que tange à possibilidade
de financiamento do plano e avanços que possam ser dados nessa direção.
Deve-se partir de algumas constatações.
Vivemos num país muito desigual, seja de renda, seja
regionalmente. Problema que tem de ser enfrentado para poder se avançar com
maior equidade.
Nossa dívida pública não é descomunal frente à de
outros países. Contudo, está concentrada nas mãos de capitais que exigem taxas
de juros excessivamente altas como remuneração. Em outras palavras, viabilizar
o financiamento do projeto desenvolvimentista passa por uma grande limitação da
remuneração da dívida pública, a qual tolhe as possibilidades de implantar os
programas conforme idealizados.
Pode-se argumentar que o Estado poderia emitir moeda
para esse financiamento. Caminho impedido dadas as conseqüências inflacionárias
em uma economia que está crescendo a taxas significativas, além de esse ser um
caminho praticamente impedido tendo em vista os interesses dos capitais
financeiros, dos ditos rentistas, o que levaria a uma instabilidade política
ainda maior daquela que atualmente enfrentamos.
Com esse quadro, algumas opções parecem ser
interessantes de ser analisadas e devem ser tentadas, com a urgência que o caso
requer.
Um primeiro ponto a enfrentar é o escorchante nível da
taxa de juros que é balizado pela SELIC. Evidentemente que interessa aos rentistas
e todos os aplicadores financeiros. No entanto, traz dificuldades profundas
para o Estado, através da Dívida Pública. O pagamento dos juros é o principal
item de gasto governamental. E mais, afeta nitidamente o nível de investimento
no País, bastante baixo.
Este item está fortemente condicionado pela lógica de
atuação do Banco Central e pelas decisões do Conselho Monetário Nacional.
Manter as decisões atuais sobre taxa inflacionária desejada não faz sentido.
Ver fantasmas que elevariam a inflação a patamares inimagináveis parte de
modelos de teorias da moeda que esquecem ser possível criar expectativas
positivas como bem apresentadas na Nova Teoria Monetária.
Se não for criada confiança, fidúcia, nas instituições
que pressionam a definição da banda desejada inflacionária, mude-se a meta
inflacionária em meio ou um ponto percentual, mas faça-se um movimento para a
redução já da taxa SELIC. Só isso fará com que se mude o patamar de
investimento direto, patamar fundamental para o desenvolvimento desejado.
Um segundo ponto a ser tratado é a contribuição
efetiva dos diferentes extratos de renda para as finanças públicas, a fim de
permitir um desenvolvimento mais efetivo.
A Escola de Economia de Paris, escola que tem a frente
de seus estudos Piketty e Zucman, entre outros, desenvolveu uma base de dados
muito interessante. A World Inequality Database- WID. Nela se pode ver que o
Brasil é um país extremamente desigual, onde o 1% mais rico detém mais de 50%
da renda nacional. A questão básica é saber como eles, os mais ricos,
contribuem para as finanças públicas e como auxiliam no desenvolvimento.
Zucman demonstra, por exemplo, que, nos países que
estudou, inclusive o nosso, enquanto a alíquota média efetiva de imposto de
renda era de mais de 30%, para os assalariados, a dos mais ricos ficava no
entorno de 20% ou abaixo. Uma brutal desproporcionalidade e injustiça social.
No Brasil, mais alarmante, quase metade da arrecadação
de impostos vem da tributação do consumo, o que, proporcionalmente, afeta muito
mais as classes assalariadas e subempregadas que têm sua renda fortemente
comprometida com este item. Bem diferente da dos super-ricos, os quais têm
parcela bem reduzida nesse tópico de composição da alocação de sua renda.
Com esse quadro, existe uma proposta do Ministério da
Fazenda de taxar os mais ricos, aqueles que ganham mais de um milhão de reais
por ano, em pelo menos 2% das grandes fortunas, medida mais do que justa.
Agregado a isso, se propõe a taxação dos dividendos distribuídos de ações,
evitando o entesouramento excessivo, fazendo com que esses recursos voltem para
a esfera produtiva. Medidas de justiça social que, infelizmente, por razões
políticas e corporativas, não conseguem passar no Congresso Nacional.
Outro ponto fundamental a ser analisado é o do
rompimento com o exclusivo padrão dólar nas relações internacionais. Isso inibe
as relações com países que não têm reservas significativas de dólares, tolhendo
as possibilidades de expansão produtiva e de investimentos de porte.
A China, recentemente, quebrou esse padrão com países
da Ásia e pode servir de exemplo. Aceitar uma cesta de moedas de países como as
dos BRICS ou mesmo do MERCOSUL muda a
lógica do comércio internacional e diminui a submissão que, atualmente, se
tenta fazer com o Tarifaço e as imposições dos norte americanos.
Associado a isso, se um dos nossos principais
problemas, do baixo padrão de produtividade e competitividade que apresentamos,
é o custo Brasil, resolver problemas de nossa infraestrutura com financiamentos
de longo prazo e parcerias como as oferecidas pelos chineses, pode ser caminho
seguro para aliviar a dívida pública na medida em que se evita a emissão de
títulos para captação de recursos a custos muito elevados como os praticados
atualmente.
Em outras, palavras, com taxas bem menores do que as
que pagamos enquanto País, o alongamento da Dívida Pública e seu custo menor a
juros bem subsidiados, permitiriam um maior controle e diminuição das
dificuldades atuais. Resolveríamos os principais problemas de infraestrutura
sem comprometer as finanças públicas.
Ou seja, pode-se diminuir a necessidade de captação de
recursos nos mercados financeiros, que aumentam e comprometem a dívida pública,
com parcerias produtivas bem escolhidas e financiamentos de longo prazo. Um
projeto como o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC pode ser viabilizado
dessa maneira, por exemplo, sem emissão de títulos adicionais aos custos
exigidos atualmente, para seu financiamento.
Em síntese, há como financiar o desenvolvimento que
desejamos. Como disse no início, isso passa necessariamente pela questão
política, o que é muito mais difícil de resolver. O tema é complexo. Não existe
uma fórmula pronta. Aqui se propõe apenas algumas alternativas e
possibilidades. A efetivação passa por um firme posicionamento governamental de
não continuaAbraham B. Sicsur refém do capital rentista.
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Leia também: Para além do “economicismo governamental” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/minha-opiniao_5.html
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