07 outubro 2019

Automação e precarização


Inteligência artificial mais ou menos
Ronaldo Lemos, Folha de S. Paulo

Se você estiver com fome e for aluno da Universidade de Berkeley na Califórnia há uma grande chance de seu pedido de delivery ser entregue por um robô. A razão para isso é o serviço criado pela empresa Kiwibot, uma startup colombiana que desenvolveu uma nova forma de entregar comida. Você faz o pedido por meio do seu aplicativo favorito. 
Só que a entrega não é feita por um entregador, mas por um simpático robozinho chamado Kiwi. Ele é praticamente um caixote branquinho sobre rodas, com um olho digital parecido com um emoji na frente.
Os Kiwis se deslocam pelo campus como que por mágica. Quando chegam, só você com seu celular pode abrir o seu compartimento e então: tchã-ran! A comida estará na sua mão, quentinha. A empresa afirma que o tempo médio para uma entrega com esse sistema é de 27 minutos. A ideia deu tão certo que os Kiwis estão se expandindo para outras 12 universidades nos EUA.
Só tem um problema: que tipo de inteligência artificial fabulosa é essa que permite aos robozinhos navegarem por terrenos complexos, atravessarem ruas e chegarem até o lugar onde o autor do pedido se encontra? A resposta é frustrante e fascinante. Os robôs são pilotados por seres humanos: funcionários da empresa localizados na Colômbia. Usando câmera e GPS, os Kiwis transmitem imagens em tempo real para o operador colombiano, que vai então navegando os caixotinhos.
A empresa até usa um sistema de inteligência artificial e quer um dia transformar os robôs em autônomos de verdade. Mas a realidade é que por traz dos Kiwis existem trabalhadores fora dos EUA, ganhando bem menos do que um entregador de comida naquele país ganharia.
Os Kiwibots são um bom exemplo do que o economista Pascual Restrepo (professor da Universidade de Boston e especialista em automação) chama de “inteligência artificial mais ou menos”.
Atualmente, há um grande debate sobre os impactos sociais da inteligência artificial, até mesmo do ponto de vista ético. Pascual, no entanto, alerta para a possibilidade da inteligência artificial acabar não sendo lá essas coisas.
Os processos de automação começaram a acontecer, mas não por causa de tecnologias incríveis que trazem ganhos enormes de eficiência e sim por causa de soluções mequetrefes que eliminam o trabalho humano sem gerar qualquer crescimento pra valer de produtividade ou eficiência.
Nas palavras de Restrepo: “Em uma era de automação rápida, a importância relativa do trabalho irá se deteriorar especialmente se as novas tecnologias que eliminarem empregos não elevarem a produtividade de forma suficiente. Isso acontece quando essas novas tecnologias são apenas ‘mais ou menos’, boas o suficiente para serem adotadas, mas não muito mais produtivas do que o trabalho que estão eliminando. Com esse tipo de automação mais ou menos, a demanda pelo trabalho cairá, mas não haverá ganhos de produtividade efetivos para compensar”.
Em outras palavras, quando se pensa nos desafios da inteligência artificial, o perigo maior não é o surgimento de robôs futuristas superinteligentes, mas sim o mundo ser tomado por robôs fulustrecos, bangalafumengas, fubicas, beldroegas ou brochotes.
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