Com R$ 5 bilhões fora do teto, ciência brasileira deve se
reerguer, diz ex-ministro
Segundo o físico Sérgio
Rezende, que integra o governo de transição, cientistas devem ter bolsas
reajustadas e fundo do setor pode ser recomposto em 2023
Rafael
Garcia, O Globo
Um dos setores com
maior defasagem de orçamento no atual governo federal, o da ciência e
tecnologia, tem condições de "mudar de patamar" no ano que vem,
afirma o ex-ministro Sérgio Rezende, ex-titular da pasta. O físico que comandou
o MCTI de 2005 a 2010 liderou o grupo de trabalho do governo de transição, que
entregou nesta semana ao presidente eleito Lula um relatório com suas
recomendações.
No documento, o
comitê pede que a pasta ganhe um maior direcionamento, escolhendo algumas áreas
prioritárias, e afirmam que a PEC da Transição vai ajudar a reerguer o
financiamento do setor, contando com R$ 5 bilhões fora do teto de gastos. Em
entrevista ao GLOBO, Rezende detalhou o que o grupo listou no documento.
O que o grupo de transição avaliou
sobre a situação de orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia para
financiamento a pesquisas?
O ministério faz
fomento a projetos através das suas duas principais agências: o CNPq (Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Finep (Financiadora
de Estudos e Projetos). Existe uma despesa direta do ministério com as suas
unidades de pesquisa, como o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia)
e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), além de cerca de mais
vinte unidades. O que aconteceu nos últimos anos é que o orçamento do
ministério caiu, derrubando junto o das unidades de pesquisa.
Além disso, o FNDCT
(Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) foi fortemente
contingenciado. Este é o maior fundo do ministério, mas ele não é executado
diretamente pelo ministério, e sim pela Finep.
No conjunto, o
orçamento do ministério caiu nos últimos anos. Comparado com 2010, o valor
corrigido para a inflação de 2021, correspondeu a R$ 11,5 bilhões. Agora, em
2021, ele não passou de R$ 3 bilhões. Então, ele caiu em mais de três vezes,
principalmente porque o FNDCT foi fortemente contingenciado. Em 2021 o fundo
teve um orçamento entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões, mas executou menos de R$ 1
bilhão, porque grande parte ficou contingenciada.
Além do problema de recursos
financeiros, o que mais foi apontado?
Nós chamamos atenção
ao fato de que o MCTI não teve nos últimos anos uma estratégia de ação nem uma
política de ciência e tecnologia como teve no passado. A as iniciativas
ficaram, em parte, personalistas, porque o ministro da ciência e tecnologia [Marcos
Pontes] era personalista. As outras iniciativas eram o que alguém sugeria ao
ministério, e o ministério anunciava. Então, o MCTI ficou lançando programas
sem uma estratégia articulada. Isso é um problema muito sério. Os dois
problemas, então, foram a ausência de política de estratégia e a diminuição dos
recursos.
Duas iniciativas articuladas durante
sua gestão, as colaborações com o CERN (Conselho Europeu de Pesquisa Nuclear),
e o ESO (Observatório Europeu do Sul), não foram levadas adiante. As parcerias
internacionais devem ser retomadas?
A cooperação
internacional é muito importante para o Brasil, em vários aspectos, porque em
algumas áreas o trabalho é feito com grandes equipes. Em astronomia, nós não
temos no Brasil sítios com com as condições climáticas necessárias para
observatórios de grande porte. Então, se nós não tivermos cooperação com o ESO
ou outros centros, nós ficamos sem trabalhar em astronomia que é uma área
importante da ciência. Na área de partículas elementares, que é um campo de
fronteira na física, uma associação nossa ao CERN não custaria muito dinheiro,
mas não foi concluída até hoje. Então isso também está nas nossas
recomendações.
O MCTI deve retomar o foco em pesquisa
sobre clima, que é uma área estratégica que perdeu espaço com Bolsonaro?
Isso é uma
consequência deste governo, que é negacionista em tudo na ciência. Existe uma
corrente negacionista para quem o aquecimento global não é provocado pela
humanidade, e seria uma questão de oscilação do clima. Mas a ciência demonstra
com indicadores claros que é a atividade antrópica que causa o aquecimento. A
cooperação internacional na área do clima também é muito importante, e o Brasil
pode se beneficiar muito enviando pesquisadores para outra regiões para fazer
estudo e também atraindo pesquisadores para trabalhar aqui, na Amazônia e em
outros lugares.
Muitas das recomendações que o sr.
menciona dependem de articulação política no Congresso, para aprovação de
verbas. Isso está sendo costurado?
O nosso subcomitê de
ciência e tecnologia na transição tem 17 pessoas, e duas delas são deputados
federais: o deputado Expedito Netto [PSD] e o deputado Leo de Brito [PT]. Por
meio dos deputados e de assessores que atuam no Senado nós conseguimos duas
coisas importantes.
A primeira foi
colocar emendas no PLOA (projeto de lei orçamentária anual) de 2023 para
aumentar o recurso no CNPq e mais algumas unidades. A segunda é que na PEC
emergencial aprovada no Senado, e que provavelmente vai ser aprovada na Câmara
nos próximos dias, tem cerca de R$ 5 bilhões de reais para ciência e
tecnologia. A PEC vai permitir que esse valor não seja contado no teto de
gastos, e uma boa parte dele é em recursos do FNDCT. Então, o FNDCT no ano que
vem vai aumentar bastante.
E nós conseguimos nas
emendas do PLOA aumentar o orçamento do CNPq em cerca de R$ 400 milhões, para
as bolsas. Isso permite um reajuste já em janeiro de 40% nas bolsas, que não
são reajustadas desde 2013. E ainda daria para fazer apoio a projetos com R$
150 milhões.
Como o orçamento do MCTI como um todo
deve ficar?
O orçamento total do
ministério em 2022 foi de R$ 9,5 bilhões, e o que está aprovado já no projeto
de lei para 2023 é R$ 14,5 bilhões. É um aumento de 50%, um aumento
considerável. Esse dinheiro ainda não é suficiente para fazer tudo que a gente
precisa, mas ele já marca uma posição do novo governo, que é a de de mudar de
patamar o tratamento dado à ciência. Nesses R$ 14 bilhões já estão os R$ 5
bilhões da PEC emergencial, mais precisamente R$ 4.989.800.000,00. Os dois
deputados que estão no nosso grupo técnico estão seguros de que isso vai passar
sem problema na Câmara.
O presidente Lula já decidiu quem será
o ministro e quando ele será anunciado?
Nós não sabemos quem
será o ministro. O nosso papel é, na verdade, de fazer recomendações.
Nas recomendações vocês estão elencando
áreas estratégicas a serem priorizadas, como a genômica, por exemplo, foi no
passado?
Temos. A genômica é
uma delas, e a biotecnologia também. Precisamos voltar a ter redes de pesquisas
mais articuladas nessas áreas, e também nas áreas de energia e do clima.
Vocês avaliam que o ministério foi
muito aparelhado? Vai haver muitas exonerações?
Quando o Ministério
das Comunicações foi fundido com o da Ciência e Tecnologia, ainda no governo
Temer, várias pessoas de comunicações originalmente passaram a ocupar cargos ou
funções gratificadas. Depois de um ano do governo Bolsonaro, essa fusão foi
desfeita, mas eu eu sei que tem algumas dezenas de funcionários das
comunicações que continuaram com as funções gratificadas com cargos
comissionados na ciência e tecnologia. Isso não tem justificativa. Eu não tenho
uma informação detalhada, mas certamente vai haver uma mudança grande lá porque
houve uma involução muito grande durante seis anos.
Vai haver revogação de muitos decretos
e medidas do executivo na área de ciência e tecnologia?
Nós levantamos uma
quantidade enorme de portarias que foram emitidas pelo ministério e que não se
justificam. O ministério passou a fazer portarias para definir como certas
comissões da comunidade científica que vão trabalhar no CNPq e na Finep
deveriam trabalhar. Era uma tendência de burocratização muito grande,
normatização muito grande. Estamos recomendando que, nos primeiros dias do ano,
o governo passe decretos ou portarias cancelando essas outras que foram feitas.
O relatório que vocês produziram vai
ser divulgado na íntegra?
Vai. Ele foi entregue
segunda-feira para a equipe do da transição, ao coordenador dos grupos
temáticos, Aloízio Mercadante. Eles vão preparar o pacote para o novo governo,
e depois nós vamos ter condições de fazer uma divulgação. O relatório acabou
ficando extenso porque, além de todas as considerações e recomendações, nós
resolvemos anexar todos os documentos importantes que recebemos de entidades e
outros grupos, então ficou um relatório com várias centenas de páginas.
O mundo
gira. Saiba mais https://bit.ly/3Ye45TD
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