21 março 2012

Coisas do esporte das multidões

O futebol é um vício
Cyl Gallindo*
Publicado no site Geleia General

Impossível tratar aqui de todos os problemas ocorridos em torno do futebol. Não porque seja difícil colher as informações na internet, na mídia falada ou escrita. Lembro ter sido ouvinte cativo da Rádio Universitária do Recife, quando certo dia o apresentador declarou “esporte também é cultura”. Nessa brecha ele deu informações sobre os times de futebol do Recife, complementando com atividades de agremiações de São Paulo e Rio de Janeiro. Nessa época, censuravam-se os centros europeus, aonde chegavam times brasileiros com os seus melhores ídolos, e não havia vivalma para recebê-los nos aeroportos. A imprensa noticiava a chegada com notinhas inexpressivas. Os jogadores, de lá, tinham os seus empregos e somente nas horas vagas atuavam nos clubes, não eram profissionais.

O futebol era apenas e tão somente uma diversão, como o cinema, a dança, a praia.

De lá para cá, o panorama mudou em 360 graus. A começar pela expressão “esporte também é cultura”, que se transformou em “cultura também é esporte”. Ao se falar de uma escola, uma praça, uma residência, uma igreja, de qualquer área, em fim, se diz que é igual, ou menor, ou tantas vezes um campo de futebol. Em nenhuma outra profissão paga-se igual ou mais do que a do jogador de futebol.

O reinado do futebol cria reis, rainhas, fenômenos, embaixadores, professores, cantores, atores e o que mais se possa imaginar. E condecorados, para não esquecer que a Academia Brasileira de Letras agraciou o Ronaldinho Gaúcho com a sua maior insígnia. O moço até ironizou, indagando: “o que é que vou fazer com isso? Eu nem gosto de ler!” Ora, ora, ele já estava fazendo, ao dar a oportunidade dos acadêmicos presentes aparecerem ao seu lado na imprensa.

O programa educacional brasileiro para infância e adolescência tem na primeira ordem a educação física, para ensinar e permitir os alunos a jogar futebol, dentro da própria escola.

Os torcedores, atualmente, organizam-se em associações, criam escolas de samba, têm estatutos, comandantes e comandados. O único ponto preocupante desse corporativismo está na possibilidade de um grupo se encontrar com outro, quando pode haver lutas, como se fosse uma de guerra de povos inimigos, dada a violência.
 
H
á também facetas exóticas que poderiam até ser engraçadas. Dias atrás, uma televisão apresentou um torcedor, cuja família comungava a mesma filiação futebolística. Ele, a mulher e filhos usavam roupas, calçados, bonés, forros de cama e de mesa, além da própria casa, centenas de objetos domésticos pintados nas cores do time de suas preferências. No meu entender, em lugar de jornalistas para mostrá-los numa reportagem em nível nacional, eles mereciam a visita de psicólogos ou psicanalistas para um sério tratamento. Mas num país em que pouquíssimas vezes a população reúne-se em defesa dos seus direitos ou em protesto contra desmandos de ordem pública, embora vá às ruas de bandeira em punho aos gritos de Brasil, sil, sil, saudando uma vitória da seleção, tudo é compreensível.

Basta olhar a cara dos apresentadores de televisão. Ao falar sobre qualquer assunto a fisionomia é padronizadamente impassível, no entanto, se o tema é futebol eles se transfiguram, além de falar gritando, especialmente através do rádio.

No exterior, aquela frieza citada acabou-se. Os governantes e a mídia acordaram para o filão econômico do setor e souberam trabalhar a cabecinha dos torcedores de lá também. O que vemos é que não só torcem pelos seus times, como vestem suas camisas, brigam em defesa de suas cores, como contribuem com milhões para a compra do passe de qualquer grande jogador, de onde quer que ele seja. As autoridades inglesas se desdobraram para evitar que sua juventude fosse para a Alemanha, assistir a uma partida de futebol, porque em caso de derrota, promoviam um fantástico quebra-quebra, cujo saldo era de alguns mortos e centenas de feridos, afora os prejuízos materiais. Um desses grandes espetáculos aconteceu recentemente no Egito, com a morte de 74 torcedores, e milhares de feridos.

Mesmo sem guerra, há violência. Quando atuei na imprensa recifense, nos anos 70, tomei conhecimento de que no dia seguinte após um jogo clássico entre os maiores times do estado, o comércio deixava de vender de 7 a 8 mil litros de leite. As economias haviam sido empregadas na compra do ingresso dos estádios e, claro, numa cervejinha, que ninguém é de ferro. Como ficar sóbrio se o time do coração perdeu ou ganhou uma partida. As crianças não morriam por não tomar leite por um ou dois dias.

Feito esse painel, lembro apenas alguns fatos por outro ângulo, para concluir esta breve nota.

Ninguém desconhece que há pessoas viciadas em corrida de cavalo, por exemplo. Pode parecer louco, mas há criaturas que perdem o que não tem, apostando em corridas de cavalos. Ou jogando baralho, roleta, nesses caças níqueis, nos cassinos, no nosso famoso jogo do bicho. Este é um império na contravenção. Proibido por lei, por tudo, mas ainda hoje se vê pessoas com máquinas eletrônicas nos pontos aonde vão os afeiçoados fazer a sua “fezinha”. Sem esquecer e não se pode esquecer que a Caixa Econômica é mais que um banco, graças às dezenas de jogos que banca. Há um canal de televisão que não faz outra coisa a não ser bancar jogos. As demais se contentam em promover o futebol, com até 72h00 de programação para um único dia. Aí se pode vê como um gol é mostrado como numa pedra lapidada por mil ângulos diferentes. E não é para menos, tendo em vista a quantidade de campeonatos que existem, envolvendo além dos grandes times, até peladeiros no interior.
Estamos tateando diante de um vício moderno que também dará muito trabalho à humanidade: a Internet. Aguardem!!


Dito isto, concluo afirmando que o torcedor de futebol é um viciado. Viciado tanto quanto o consumidor de álcool, de cocaína, de craque, o jogador de baralho, de roleta. E de toda e qualquer modalidade de jogos e vícios que se imagine. Ele não vai ao campo de futebol se divertir. Vai participar da vitória do seu time. Se isto não acontece, sua frustração é tamanha que ele pode matar ou morrer, como tem acontecido em todo o mundo. Mistérios para Freud, Young ou Foucault explicar.

É por isso que assistimos a um secretário da FIFA dizer que os governantes brasileiros merecem “um chute na bunda”, por não satisfazerem todas as suas vontades.

Não estou apregoando o fim do futebol, como esporte. Estou apenas e tão somente advertindo que o torcedor é um viciado, e em cima dessa condição, foi montada uma multinacional, talvez a mais poderosa do mundo, para dominá-lo política e economicamente. Assim sendo, seria fundamental se estabelecer controles no sistema e limites para torcedores e promotores.
* Jornalista, poeta, membro da Academia Pernambucana de Letras.

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