23 janeiro 2015

Um mal que precisa se extirpado

Intolerância religiosa em terras tupiniquins
Luciano Siqueira, no Jornal da Besta Fubana

O atentado que ocorreu em Paris em 7 de janeiro contra a revista satírica Charlie Hebdo - verdadeiro ato de guerra cujas raízes se encontram mais no jogo da geopolítica mundial do que na agressão à livre manifestação do pensamento ou à liberdade religiosa – provoca reações as mais diversas. E todo tipo de debate.

Pois façamos aqui breve alusão à intolerância religiosa, aspecto mais epidérmico, digamos assim, do que se discute agora. E fiquemos cá em terras tupiniquins mesmo, olhando para dentro do nosso próprio país... pois há dados que merecem nossa atenção.

Vejamos.

Só no ano passado, o Disque 100 registrou 149 denúncias de discriminação religiosa verificadas no conjunto do país; em 2013 foram anotadas 228 denúncias.

As situações são de feições variadas, embora traduzam o mesmo sentido – o da intolerância e da discriminação. Como o caso de um jornal evangélico que ilustrou matéria de primeira página com a foto da iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos, a Mãe Gilda, e abriu a bombástica manchete "Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes".

Pior: em decorrência dessa “denúncia”, seguidores da tal corrente religiosa invadiram a residência da Mãe Gilda, agrediram seu esposo, depredaram as instalações do terreiro. O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado anualmente em 21 de janeiro, de acordo com a Lei 11.635, presta homenagem à Mãe Gilda.

Em geral a discriminação se abate sobre as religiões de matriz africana, porém se expressam também sobre outras correntes religiosas, inclusive denominações evangélicas.

A tolerância à diversidade e o respeito às diferenças, de modo amplo, e não apenas em relação aos cultos religiosos, há de ser um dos pilares da consolidação de nossa ainda débil democracia.

O fato é que em 127 anos de República, vivemos hoje, desde 1985, o lapso de tempo mais prolongado de vigência do regime democrático. Antes, nada menos do que dezoito intervenções militares havia sido praticadas sobre a ordem institucional, apenas uma delas em favor da democracia; as demais, restringindo a liberdade de expressão e tolhendo o debate de ideias.

Em ambiente assim desprovido de um lastro mais amadurecido do livre embate social e ideológico, um corolário inevitável seria, como são, as múltiplas formas de discriminação e, dentre elas, a intolerância religiosa.

Na Assembleia Constituinte de 1946, quando se estabeleceu em definitivo o caráter laico do Estado brasileiro, foi justamente a bancada do Partido Comunista do Brasil que liderou a luta pela liberdade de culto, finalmente inscrita na Carta Magna.

Uma luta, portanto, que vem há décadas e que, no clima de consternação diante de acontecimentos sangrentos ocorridos na França e em países africanos, bem que devemos reforçar nossas convicções e nossa disposição de luta contra todas as formas de discriminação em nosso país.

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