14 setembro 2015

Entrevista minha à Folha de Pernambuco

Uma análise sobre a quebra de paradigmas na política

Entrevista a Daniel Leite, na Folha de Pernambuco
A relação do vice-prefeito Luciano Siqueira (PCdoB) com as causas sociais percorre toda sua trajetória política. Sempre com um discurso voltado para as camadas populares e as lutas históricas encampadas pelos movimentos de esquerda, Luciano é o retrato da militância poética que tensiona as convenções tradicionais. Ao longo de seu percurso, foi preso e torturado pelo regime militar, se elegeu deputado estadual pelo PMDB, foi vice-prefeito do Recife durante as duas gestões do PT e hoje ocupa mais uma vez o cargo, ao lado do prefeito Geraldo Julio. Otimista convicto, Luciano acredita que o País vivencia um novo momento de quebra de paradigmas. Em entrevista à Folha de Pernambuco, faz uma ampla leitura da crise atual e sua influência nas eleições municipais do ano que vem.
A história brasileira é marcada por crises. Em sua análise, houve algum momento político e econômico semelhante ao que estamos vivenciando? É verdade que o Brasil já passou por muitas crises. De resto, penso que é comum a qualquer país. É próprio da sociedade humana. Agora, nunca a história se repete da mesma maneira. Existem alguns traços característicos do Brasil que estão presentes em todas as crises. Para não ir muito distante, podemos lembrar da crise que resultou no suicídio de Getúlio Vargas. . Ela se acentuou exatamente quando o presidente acumulava políticas e ações de governo que contrariavam interesses da elite dominante. Seja do ponto de vista social, no sentido de fazer valer as leis trabalhistas que ele havia instituído, lá no Estado Novo, seja quando ele deu passos mais avançados para dotar o Brasil de condições próprias de desenvolvimento, em favor da soberania. Houve uma espécie de conluio natural entre os setores mais conservadores e atrasados da sociedade brasileira, com o capital externo. Se somaram e geraram um estado de confusão que levou ao ambiente no qual Getúlio se suicidou. Naquele momento, outros dois elementos estavam presentes. O primeiro foi uma forte pressão midiática e o segundo foi a existência de uma oposição, no parlamento, completamente descomprometida com o funcionamento do País.
Em 1964, o presidente João Goulart vivenciou a mesma situação. Com Jango, houve algo semelhante. Há quem diga que um dos fatores desencadeadores do ambiente que levou ao golpe militar e destituiu o presidente foi a Lei da Reforma Agrária, que pretendia avançar na questão da distribuição de terras. Mas até do que o comício da Central do Brasil ou a Revolta dos Marinheiros, que o presidente teria acolhido.
A queda de Collor também entra neste contexto? Com ele, foi diferente. A crise não foi provocada por um conflito direto com a elite. Mas, no seu caso, o divórcio extremo entre o Poder Executivo e Legislativo foi decisivo. Me recordo, na época, que o então presidente da Câmara Federal, Ibsen Pinheiro, em uma conversa com o presidente nacional do PCdoB, João Amazonas, disse que se sentiu impressionado em perceber como o presidente da República não valorizava a relação com o Legislativo. E havia, naquele momento, um conflito aberto entre a elite dominante e a maioria da população, no sentido inverso do que tinha acontecido com Getúlio e Jango. Collor aprofundava as medidas no sentido de viabilizar, no Brasil, o tal modelo neoliberal, que compreende a concentração da renda e da riqueza e exclusão social, inclusive com a desindustrialização e desnacionalização da economia. Esse elemento provocou uma reação popular.
Há cerca de dois anos, a crise atual era impensável... Nós vimos, há 12 anos, nos dois governos Lula e no governo Dilma, a promoção de mudanças no País de largo significado. O Brasil assumiu um patamar de respeito e reconhecimento na cena global. A política externa do governo diversificou as relações diplomáticas e comerciais prioritárias. No início do governo Lula, por exemplo, 42% das exportações brasileiras eram dependentes do mercado norte-americano. Hoje, passamos para 21%. Se na crise mundial que eclodiu em 2008, nós fôssemos tão dependentes do comércio com os Estados Unidos como éramos há alguns anos, o Brasil teria afundado. Os governos Lula e Dilma passaram a ter relações privilegiadas com a China, com a Rússia, coma Índia e com outros mercados, como a própria comunidade europeia. Ao lado disso, o País foi progressivamente assumindo uma postura soberana e altiva, com os organismos internacionais. Isso foi uma conquista muito importante. Outra conquista foi ter retirado, da linha de extrema pobreza, pouco mais de 40 milhões de brasileiros. Uma massa popular passou a consumir, a ter emprego, a poder ingressar em um curso superior ou técnico e a disputar o mercado de trabalho.
Como o cenário mudou tão rápido? Mesmo sem romper com o perfil de concentração de renda do Brasil, a promoção dessa ascensão social não poderia ter sido feita impunemente. Uma parcela intermediária da população, que não elevou seu padrão de vida, se sentiu ameaçada pela ascensão do povão. Mas os três governos do PT não avançaram quase nada no terreno da superestrutura institucional. O Estado brasileiro continuou com o mesmo perfil patrimonialista, elitista e ultra concentrador, condicionado a servir a quem mais tem e não a quem mais precisa. Assim, a porca entortou o rabo. No final do ano passado, a crise global, que está longe de terminar, continuou se agravando. Agora, uma nova fase atinge duramente as economias periféricas em ascensão, incluindo o Brasil e a própria China. Os condicionantes externos, decorrentes da crise global se aprofundaram, sem solução à vista. Além disso, nós ainda não fomos capazes de superar o modelo de crescimento baseado no consumo interno. Teríamos que fazer uma transição para um modelo mais avançado, que implicaria pesados investimentos em infraestrutura, para alavancar a economia, em uma melhor ocupação do território nacional, completando com uma integração do território, com ferrovias.
Isso influenciou a crise política? A crise política assumiu um caráter muito grave. A relação entre os três poderes da República está muito desgastada. O Executivo encontra enorme dificuldade para lidar com o Congresso Nacional. Quando se abriram as urnas, no último pleito, verificou-se que o Congresso havia assumido um perfil muito mais conservador. E isso evidencia, com muita clareza, o paradoxo que vivemos hoje. O Congresso ultraconservador nega apoio às medidas de ajuste fiscal que jamais a presidente Dilma ou o PT praticariam se não fossem necessárias para tirar o País da crise e equilibrar as contas públicas. Neste contexto, ainda existe uma oposição rebaixada, de caráter fisiológico e não programático. Apresentam proposições incabíveis para um momento de crise e fazem demagogia com a população. Então essa situação é muito delicada. A oposição, por seu turno, abdica de fazer uma crítica de conteúdo, programática. Recentemente, quando o senador Aécio Neves esteve aqui em Recife, na ocasião das homenagens ao ex-governador Eduardo Campos, disse que a oposição não tinha compromisso com o debate de soluções para a crise. E que isso era um assunto do governo. Mas está errado.
Estas transformações poderão afetar as eleições municipais do ano que vem? Aqui no Recife eu só tenho segurança em uma coisa: Que Geraldo parte na frente, com condições plenas de se reeleger. Claro que isso não quer dizer que a eleição seja fácil e que a disputa não será acirrada. Na tradição do Recife, as disputas são acirradíssimas. Mas a morte de Eduardo deixou uma grande lacuna, para o País, pelo papel crescente que ele cumpria. Nós mesmos, do PCdoB, não votamos em Eduardo para presidente, mas mantivemos uma relação excelente com ele, o tempo todo, de amigos e aliados. Ele, inclusive, sempre compreendeu a posição do partido. Era um homem da política. Muito jovem, mas muito experiente. E sabia que o PCdoB tem um projeto nacional, que está muito próximo do PT, desde a primeira tentativa de Lula de se eleger. Agora, o PSB, que ainda é hegemônico em Pernambuco, vive um outro momento, sem Eduardo. Novos líderes vão surgindo, como Paulo Câmara, que vem se revelando um bom governante, capaz de exercer liderança e ocupar esse espaço deixado. Convivo com Geraldo Julio, que a cada dia vem se afirmando como bom gestor e um político hábil. Então no Recife, temos uma coalisão partidária muito ampla. Talvez mais ampla do que no governo do Estado. Englobamos partidos como o Democratas, o PSDB, o PMDB e uma série de outras siglas. Isso demonstra que Geraldo não abre mão do programa de governo. Nós mesmos do PCdoB temos quadros que dialogam com todas as forças políticas, respeitando as diferenças. Isso é tarefa de todos nós, de ajudarmos a superar as dificuldades momentâneas.
Como está a relação entre PCdoB e PSB? Costumo dizer que a política não é uma mágica. Como na família, às vezes surgem contradições. É natural que muitos companheiros sintam desejo e até o dever de cumprir um papel mais relevante neste período de transição. Isso pode sim gerar tensões Mas penso sempre que são superáveis. Todos os partidos almejam disputar prefeituras. Em Olinda, por exemplo, é natural que partido que estão juntos possam disputar entre si. Cabe a todo nos ter maturidade e serenidade para enfrentar eventuais divergências e conflitos com espírito democrático. Não está nada resolvido. É necessária muita paciência par administrar os conflitos. Já no Recife, não temos bola de cristal. Mas salvo se existi algum fato novo extremamente inesperado e de dimensão insuperável, que não estaremos juntos. A população do Recife reconhece nosso desempenho. Geraldo tem sido um excelente parceiro do PCdoB. Vamos encerrar um primeiro mandato de forma excelente e ele entra na segunda eleição com o apoio do PCdoB.
Em Olinda, o irmão de Eduardo Campos, Antônio Campos já teria o aval do PSB... Nós estamos governando Olinda há quatro mandatos. Lá, Antônio Campos se apresenta como pré-candidato. Encaramos com naturalidade a manifestação de interesse de partidos que governam conosco de disputarem eleições. Mas também temos o direito de disputar a eleição do Recife. Não desejamos, porque achamos que é bom para a cidade reelegermos Geraldo. Mas se tivéssemos motivos, disputaríamos aqui tranquilamente também. E iríamos contar com a com preensão dos aliados no Recife. Agora, em Olinda, qual o cenário? Qualquer especulação não passa de especulação. Na vida, as pessoas dizem que quem come apressado come cru. E na política isso também tem o seu valor É preciso paciência e serenidade, para agir no momento adequado, respeitando a motivações de cada um. Luciana disputa em Olinda Nunca se recusou. Mas acho que as conversas só começam mesmo no começo do ano que vem.
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Um comentário:

  1. Caro amigo Luciano, você sempre revelando essa sua habilidade incrível para o diálogo, amplo e efetivo. Excelente entrevista, uma aula magna de política.
    Parabéns, camarada querido, e obrigado.

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