05 julho 2018

Flexibilidade tática


Tudo pode se desmanchar conforme as circunstâncias
Luciano Siqueira, no portal Vermelho



Numa breve conversa na garagem da Prefeitura, a propósito da enfermidade de um amigo comum, sentencia:

— A medicina é a ciência das verdades transitórias.

— É uma exceção, pois se é ciência tem que se apoiar em verdades definitivas, como as demais ciências, retruca o outro.

— Verdades pétreas, imutáveis, como a Lei da Gravidade, completa um terceiro.

Errado. Na verdade, nada é definitivo, tudo é mutável assim como o repouso é relativo e o movimento é que é absoluto, conforme o modelo dialético de compreensão do mundo.

Mas às vezes há um apego quase místico a coisas supostamente definitivas, como se fora verdade absoluta ancorada em dogmas, que nos eximisse da análise concreta da realidade como de fato ela é.

Visão esquemática das coisas, raciocínio mecanicista. Reducionismo que leva a esbarrar com a cabeça no paredão.


Numa conjuntura de crise e de extrema instabilidade, quando muitas variáveis concorrem para a imprevisibilidade no curto prazo, ou se admite que o que parecia tão sólido quanto perene em longo prazo pode se esvair sob o impacto de novos fenômenos, ou nos agarramos ao que está estabelecido, mesmo sob corrosão, como a única tabua de verdade absoluta e afundamos junto.

Neste instante de pré-convenções partidárias eleitorais, que celebrarão candidaturas e alianças, todo cuidado é pouco na defesa do que se construiu com muito suor, sangue e sacrifício; porém igual atenção à busca de saídas, digamos, heterodoxas, face uma situação adversa que se interpõe aos nossos desejos.

Lula é inequivocamente patrimônio do povo brasileiro. Um ícone. Líder de extração operária, um dos mais marcantes presidentes que o País já teve. 

Mas Lula não está só no mundo. Nem pode tudo. Mercê de perseguição politico-policial-judiciária-midiática, vê-se constrangido à prisão e a um possível impedimento de concorrer no próximo pleito. 

O seu partido, o PT, embora o que tenha mais se fortalecido no campo popular e à esquerda nas décadas recentes, também cometeu erros sérios — estratégicos e táticos, sobretudo — e ostenta um misto de prestígio e de desgaste perante a sociedade brasileira.

Nessas circunstâncias, errado é se adotar uma saída tática tão simplificada quanto arriscada, segundo a qual "se não for Lula, será o dilúvio"; e todos tenham que se submeter a uma espécie de cláusula pétrea (sic) de que a hegemonia há de ser inevitavelmente dos petistas. 

Isto porque se sobressai a ingente necessidade de união das forças de esquerda e progressistas — e o empenho de Lula e do PT nessa direção é indispensável. 

Infelizmente, por enquanto, os petistas seguem enredados na fórmula única a que se propõem e a um calendário próprio que mal considera os possíveis aliados. Como se a realidade fosse essencialmente a mesma de quatro anos atrás.

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