A linha invisível
Janio de
Freitas, Folha de S. Paulo
A
dimensão da desconfiança que cerca o vice Hamilton Mourão, entre os bolsonaristas, pode
ser mensurada pela ansiedade de Jair Bolsonaro para retomar a Presidência: passadas
apenas 48 horas de uma cirurgia mais complexa do que o esperado. A imprudência,
seguida de más repercussões fisiológicas, não teve utilidade política em
relação ao vice. Nem poderia. Porque na atitude participativa do general Mourão
há ingredientes fortes e não suspeitados pelo ativismo bolsonarista ou fora
dele.
Mais
do que as manifestações dissonantes, propriamente, o que gera a animosidade ao vice no núcleo bolsonarista é a constatação, por meios
variados, da receptividade que Mourão tem
encontrado. Suas sucintas e frequentes manifestações surpreendem, em geral, não
pelo que expõem, como fazem as falas de ministros e de Bolsonaro. Espantam
exatamente por não serem chocantes, por conviverem com o senso comum. No mesmo
sentido, e em outro nível, é indicativo que o vice seja procurado por
diplomatas estrangeiros, para as conversas responsáveis entre governos.
Não
se restringe a civis o pasmo com a responsabilidade assumida pelo Exército por
um governo Bolsonaro. Uma administração nacional em que desatinados têm os
postos mais importantes, cabendo os demais a neófitos. Um governo tido como
"a volta dos militares". Para isso? Para esse vexame que o mundo
ridiculariza todos os dias? Há entre os militares um segmento insatisfeito.
Preocupado. Se pequeno, compensa com atenção ao governo e aos riscos à imagem
das Forças Armadas.
É
fácil constatar a ação coordenada dos militares integrantes do governo: todos,
menos um, silenciaram ao mesmo tempo. Nem mesmo o general Augusto Heleno,
imagina-se a que custo, se oferta a um microfone ou gravador. Menos um:
Hamilton Mourão. O encarregado de falar. Para marcar posições que o
identifiquem mais como general, mais com o Exército e a corporação militar, do
que como integrante do governo.
O
"falastrão", como há pouco foi chamado, não está falando só por si.
Cumpre um papel recebido e dá voz a um segmento. Mesmo dentro do governo, como
em recente e enérgico reparo a uma iniciativa de política externa adotada sem
prévia consulta ao Ministério da Defesa.
Bem-sucedido
fazedor de riqueza, como é típico dos marqueteiros políticos, e pretenso
ideólogo da extrema direita (outro modo de fazer riqueza),
Steve Bannon diz que Hamilton Mourão "pisa fora da linha". Por fora está ele.
Como seus amigos do ativismo bolsonarista.
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