O fim da previdência pública
Jandira Feghalli, www.pcdob.org.br
Em 6 mandatos
como deputada federal o debate da previdência social foi uma constante.
Participei de comissões especiais e relatei propostas que, em maior ou menor
grau, promoviam mudanças no sistema. Sempre deixei clara minha posição em
defesa do sistema público e de regras que não fossem um retrocesso para as
mulheres e para o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras, urbanos e rurais,
que têm na previdência pública a única perspectiva de renda ao fim de suas
vidas laborais.
Lutei
contra o fator previdenciário e defendi a adoção da fórmula 85/95. Mais
recentemente enfrentei a reforma proposta por Temer, que se encontra parada na
Câmara dos Deputados desde sua aprovação pela comissão especial em meados de
2017. O texto original foi bastante modificado e minimizou o prejuízo para os
trabalhadores rurais, mas, no geral, ainda é uma proposta que dificulta o
acesso aos benefícios previdenciários.
Agora,
diante da perspectiva de uma nova proposta de um governo de extrema direita e
insensibilidade com as questões sociais, volto a me posicionar para alertar
sobre os riscos da adoção do sistema de capitalização. Até aqui, várias
mudanças foram efetuadas, mas nenhuma delas quebrou o conceito da previdência
pública, o modelo de repartição e seu caráter solidário, um pacto entre
gerações. O que está por vir derruba tudo isso para implementar a lógica do
seguro. Será o fim da previdência pública.
Na
capitalização não há um contrato de rendimento. É um regime de contribuição
definida. Não se garantem os resultados. Para o mercado só ganhos, na administração
dos fundos e porque se desresponsabiliza em caso de flutuações que impliquem em
perdas de rendimento. Para o governo não há risco imediato e isto gera
expectativas positivas já que os problemas só começarão a aparecer quando os
primeiros segurados começarem a usufruir do benefício, décadas à frente. Para o
empregador, o tão sonhado fim da contribuição patronal. Para o segurado,
um futuro de incertezas. Deixa de ter um benefício garantido pelo Estado para
ter apenas uma expectativa. Sem valor definido. O regime de capitalização não
distribui renda, pelo contrário. Apenas os que tiverem maior capacidade de
capitalização terão um benefício superior. E esses serão uma minoria.
O
caso chileno comprova nossas preocupações. O valor das aposentadorias dos
chilenos é alvo de críticas e protestos. De acordo com dados disponibilizados
em 2015 pela Fundação Sol, 90,9% recebiam menos de 149.435 pesos (cerca
de R$ 851,78 em 2018). O salário mínimo do Chile, por sua vez, é de cerca de
260 mil pesos (aproximadamente R$ 1.500,00 em 2018). Voltaremos a
aposentadorias inferiores ao salário mínimo, como na época da ditadura. Quem
não se lembra do caso CAPEMI, a Caixa de Pecúlio dos Militares? Atingiu 2
milhões de associados – e enfrentou dificuldades em meados dos anos oitenta e
finalmente faliu em 2008 após uma desastrada tentativa de investir na usina de
Tucuruí, no Pará. O prejuízo ficou para os associados.
Outro
problema está nos benefícios de risco. Se o trabalhador adoece sofre um
acidente não consegue capitalizar o suficiente para uma aposentadoria. Para as
mulheres é ainda pior. Menores salários, menores aposentadorias. Menor tempo de
trabalho-capitalização, menor benefício. Serão duplamente penalizadas.
A
função do Estado é garantir políticas públicas capazes de atender a população.
A previdência social pública é uma política eficaz em vários sentidos. Na
economia dos municípios, na geração de renda e cidadania. É o maior programa de
distribuição de renda do Brasil. Entregar essa política para o mercado é quebrar
o primeiro pé do sistema de seguridade. E este quebrado se seguirá o desmonte
do Sistema Único de Saúde e do Sistema Único de Assistência. É isso que
queremos? É esta a “modernidade” prometida? Longe disso, é afastar um grande
contingente de trabalhadores e trabalhadoras do acesso à aposentadoria. É
entregar para o mercado uma função do Estado. Contra isso lutaremos e seremos
incansáveis para conscientizar a sociedade sobre os enormes riscos decorrentes
dessa mudança.
¹Médica e deputada federal (PCdoB/RJ)
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