18 setembro 2019

E o futebol brasileiro?


Projeto de clube-empresa é outro gol contra o Brasil
Juca Kfouri, Folha de S. Paulo

O jornalista Marcelo Damato, que por muitos anos abrilhantou esta Folha, um dia me disse que eu sou péssimo ao elogiar. 
Pois eis que a cada vez que deposito esperança em alguém confirmo que ele tem razão.
Nem assim aprendo e tendo sempre a confiar nas pessoas.
Clóvis Rossi diria que assim sou porque ainda muito jovem...
Não é que a confiança aqui depositada no presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia virou pó em poucas semanas?
Toda a movimentação dele no que parecia um passo na direção da modernização da gestão do futebol brasileiro revela-se agora apenas e tão somente uma tentativa de salvar o Botafogo, seu time de coração e apelido tornado público pela Lava Jato quando a operação ainda gozava de credibilidade.
nova legislação proposta pelo deputado carioca Pedro Paulo, em nome de Maia, é apenas mais uma tentativa de facilitar a vida dos cartolas que criaram dívidas fiscais monstruosas nos clubes para pagá-las, reduzidas até 50%, em 20 anos, ou melhor, não pagá-las nos tais 20 anos, e criar outra e mais outra e outra lei mais a dano do público.
Em bom português, o que está sendo proposto espanca a ideia original da Sociedade Anônima do Futebol (S.A.F.), como Pedro Paulo confessou um dia ter espancado sua mulher.
"Foi um episódio triste que aconteceu na minha vida. Um dos momentos mais difíceis. Você imagina uma separação da forma que foi. Eu errei. Foi um momento de muita tensão, de descontrole. Tivemos discussões e agressões mútuas", disse a esta Folha quando candidato, derrotado, à prefeitura do Rio nas últimas eleições.
Agora Maia e ele traem o futebol nacional e agridem o cidadão que paga seus impostos --ou o que não paga e não tem quem o defenda ou invente casuísmos para salvá-lo.
Para tanto contam ainda em tabelar com o senador Romário Faria, tão oportunista na vida política como foi na grande área.
As SAFs, mesmo com imperfeições aqui e ali pela Europa e pela América, ensejaram o poderio de grandes clubes no Velho Mundo e no continente americano, mas estão sendo rejeitadas no Patropi porque exigem novas posturas e competências na gestão do futebol.
Tínhamos no Brasil a oportunidade de aprovar uma lei que corrigisse as imperfeições pelo mundo afora e a chutamos não apenas a escanteio, mas para as calendas gregas.
O cinismo é de tal ordem que permitiu ao presidente do Cruzeiro, clube sob fogo cruzado do Ministério Público mineiro, propor a bizarrice de o BNDES abrir uma linha de crédito com juros subsidiados para as agremiações endividadas.
Não se pode mesmo elogiar.
O que parecia uma iniciativa iluminista de Maia não passa de tentativa de salvar o Glorioso que deve coisa de R$ 750 milhões.
Diga-se a favor de Pedro Paulo que ele é torcedor do Flamengo, que não está precisando de ajuda espúria.
E diga-se contra que, correligionário de Maia no DEM, está em busca de ficar bem com o poderoso presidente da Câmara e das luzes que se apagaram para ele depois que se tornou publica e nacionalmente conhecido por bater em mulher.
Consta que o Ministério da Economia não quer nem ouvir falar em tamanha artimanha neste momento de sufoco por que passa o país. E que jogará de zagueiro para impedir o gol contra.
Que Damato me perdoe, mas quero crer que assim será.
Será?
Seja como for, os arquitetos da esperteza não merecerão perdão.
[Ilustração: Brendan Higgins]


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