23 novembro 2019

Estado democrático sob risco


O fim da democracia e os homens-bambus

Luis Nassif, Jornal GGN

A grande indagação: como o Brasil chegou a esse nível de desregramento institucional? Como foi possível eleger Jair Bolsonaro e aceitar todos os abusos que são cometidos diariamente contra a democracia brasileira? Como explicar a volatilidade das convicções dos homens públicos brasileiros, dos Barroso, Fachin, dos Randolfe e Cristovãos?
A democracia é um conjunto de valores e de práticas consolidadas, que exercem pressão moral sobre as personalidades públicas mais maleáveis. São restrições de ordem moral e ética que operam como barreiras de contenção às manobras oportunistas. Cada gesto oportunista, que transgrida as regras da democracia, merece a condenação dos seus pares e do público. É por aí que há o controle social sobre as autoridades.
As cláusulas pétreas da democracia são:
·   Respeito absoluto pelos direitos individuais e sociais.
·   Respeito absoluto pela Constituição e pelo poder do voto.
·   Respeito absoluto pela independência dos poderes, sem que um poder procure se sobrepor aos demais.
·   Respeito absoluto pelo espaço político para o contraditório e para as atividades da oposição.
·   Repressão imediata a qualquer ato que signifique ameaça à democracia.
Todos esses fatores passam a ser progressivamente atropelados pelas instituições, a começar do Supremo Tribunal Federal (STF), que abraçou as teses do estado de exceção no momento que passou a atropelar a Constituição.
A atitude de Luis Roberto Barroso, de vetar um indulto presidencial – direito do Presidente da República expressamente definido na Constituição – foi a prova maior da subversão total da democracia. Antes dele, logo no final do mensalão, Luiz Fux procurou acuar o Congresso, paralisando todas as votações até que se resolvesse a questão dos royalties do petróleo para o Rio de Janeiro. E, acima de tudo, a decisão de tirar Lula das eleições de 2018.
Sem a convicção democrática, não há mais constrangimentos nem de ordem ética ou moral para as atitudes públicas, o que abre espaço para toda sorte de personalismo e oportunismo.

Os movimentos oportunistas

No Senado, Renan Calheiros poderia ter sido a peça de resistência. Foi derrotado por uma coalizão que juntou fisiológicos, conservadores e até progressistas e onde se destacou o senador Randolfe Rodrigues, do Amapá, que tinha como grande interesse o fato do concorrente, o obscuro David Alcolumbre, ser seu conterrâneo e de suas relações. Abriu uma porta para o controle do Senado pelo bolsonarismo. Randolfe também foi dos principais defensores da Lava Jato e do impeachment. Hoje em dia, com os ventos do seu público mudando, volta-se para a defesa tardia da democracia.
Randolfe não é nenhum Cristovão Buarque. Menciono-o apenas para mostrar o exemplo dos homens-bambu, infelizmente maioria na vida pública nacional, curvando-se a qualquer movimentos dos ventos, sem nenhum compromisso com valores ou com a coerência.
É o caso reiterado do Ministro Luis Roberto Barroso, talvez o símbolo maior desses tempos de dissipação e de explicitação do caráter nacional.
Sugiro a leitura do relevante “O Pêndulo da Democracia”, de Leonardo Avritzer, analisando, na bucha, os acontecimentos políticos do momento.
Segundo ele, desde 1946 a opinião pública se move em movimentos pendulares, ora acatando valores democráticos, ora curvando-se ao golpismo mais explícito. Depois de cada período de terror – a redemocratização de 1946 depois do Estado Novo e da Segunda Guerra; 1985, depois da ditadura militar – há um movimento do pêndulo em favor de valores democráticos.
Esse processo permite avanços sociais, aumento da inclusão, provocando a reação das elites e da classe média, que se tornam parceiros da nova etapa, de resistência à democracia. Até que sobrevenha um novo período de desgraças, e o pêndulo retome os valores democráticos novamente.
Pela teoria do pêndulo, mais à frente haveria o refluxo e a volta dos valores democráticos. Mais qual o nível de tragédia que o país está disposto a suportar? Qual o nível de desmonte que o STF está disposto a impingir ao país, antes que a violência se torne irreversível?
Esta é a questão.
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