20 março 2020

Futebol infectado


Negam o óbvio, o fato, como se ele não existisse
Tostão, Folha de S. Paulo

Um dos vice-presidentes do Flamengo, infectado pelo coronavírus, teve contato próximo, durante uma viagem, com jogadores, comissão técnica, dirigentes e funcionários do clube. Mesmo assim, sem saber o resultado dos exames que todos fizeram, o Flamengo entrou em campo contra a Portuguesa. Foi uma absurda irresponsabilidade. O exame de Jorge Jesus deu positivo, e, nesta terça (17), ele fez a contraprova.
Irresponsáveis também foram as federações de futebol de vários estados, que marcaram partidas no fim de semana, com ou sem público. Não importa. Times e atletas deveriam ter se recusado a jogar, como fez o River Plate, na Argentina.
Existe na psicologia um tipo de negação que vai além da consciência, do conhecimento e da ignorância. Algumas pessoas negam o óbvio, o fato, como se ele não existisse. Apagam da mente. É a onipotência do pensamento.
Quatro times da Série A do Brasileiro (Flamengo, Inter, Atlético e Santos), dirigidos por treinadores estrangeiros, possuem uma estratégia comum, a de ter um volante centralizado, recuado, que se posiciona entre os dois zagueiros, para fazer a saída de bola da defesa. Com isso, os laterais se adiantam como alas. Quando o time avança, o volante se adianta e passa a ser um meio-campista.
Não se deve confundir esse volante centralizado com o líbero do passado, como alguém disse. Este, quando a equipe perdia a bola, posicionava-se atrás dos zagueiros, para fazer a cobertura. Quando o time recuperava a bola, ele avançava como um meio-campista.
Sampaoli, logo na estreia no comando do Atlético, colocou o volante Allan para fazer a saída de bola, e mais um meia de cada lado. O primeiro gol contra o Villa Nova começou com um passe de Allan, rápido, de uma intermediária à outra. Poucos volantes brasileiros fazem isso.
Há décadas, quase todas as equipes brasileiras atuam com dois volantes em linha e com um meia de ligação à frente deles. Os volantes desarmam e entregam a bola para o meia, único responsável por toda a armação do time. Ele é anulado e bastante criticado. Essa postura está ultrapassada.
Algumas equipes usam essa estratégia, com dois volantes e um meia de ligação, e jogam um ótimo e eficiente futebol coletivo, como tem ocorrido com o São Paulo. Funciona bem porque os volantes Daniel Alves e Tchê Tchê se movimentam de uma intermediária à outra e estão sempre próximos do meia Igor Gomes, formando um trio que ataca e defende.
Ao ver Daniel Alves brilhar no meio-campo, lembro o lateral esquerdo Marcelo, o melhor do mundo durante um bom tempo e, atualmente, na reserva do Real Madrid. Se Marcelo voltasse a jogar em um time brasileiro, provavelmente, teria grande destaque no meio-campo, pela esquerda, como é Daniel Alves, pela direita.
Não sei se a deficiência principal do Corinthians é mais individual ou mais coletiva, por causa do posicionamento extremamente fixo e repetitivo, com os dois volantes, o meia de ligação, os dois pontas e o centroavante sempre ocupando o mesmo lugar, fazendo as mesmas jogadas. O time, no campo, é idêntico ao da prancheta.
No fim de semana, houve mais uma atuação ruim do Cruzeiro e mais uma demissão de treinador, Adilson Batista. Os problemas continuam graves e complexos, dentro e fora de campo, sem saber como recomeçar. Neste momento, é necessário coragem, competência, lucidez e seriedade. É sonhar demais.
[Ilustração: Arshile Gorki]
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