28 maio 2020

O princípio e a prática


Liberdade para quê?
Thiago Modenesi


Muito se fala nesses últimos dias no Brasil sobre “liberdade”, parece que estabelecer parâmetros legais que condicionam o que podemos ou não fazer virou algo absurdo na cabeça de alguns, por sorte, da minoria e não da maioria.
Levando em conta que somos interdependentes, afetamos uns aos outros, vivemos em sociedade, não há como o que é importante para mim (ainda mais se for um capricho), se sobrepor às necessidades coletivas.
Quem inventou isso não foi nem um comunista, nem uma pessoa de esquerda, nem tampouco o que hoje se chama de “progressista”. A invenção do Estado tem a ver justamente com limites: Thomas Hobbes, Montesquieu e outros levantavam que os tais limites eram necessários. Na verdade, abrimos mão da nossa plena liberdade, da liberdade que existia nas comunas primitivas, nas sociedades originalmente matriarcais e gens iroquesas estudadas por Friedrich Engels para nos moldarmos a uma nova proposta de sociedade, em busca de algo que nos oferecesse estabilidade, limites que mantivessem a todos relativamente seguros, com direitos que limitam uns aos outros, na prática.
Saímos das sociedades em que dividíamos as coisas entre nós, do sistema de trocas, escambo, da produção apenas do necessário, do excedente trocado, para uma que nos garantisse o direito a ficar vivo e protegido pelo Estado em si. É verdade que tal construção tinha um componente da proteção do patrimônio, da riqueza e do acúmulo de propriedades por parte da burguesia ascendente, mas se vendia a ideia para o conjunto da população da igualdade política, dos direitos, deveres, inclusive da liberdade em si. Realmente há uma mudança na vida das pessoas, mas há mais obrigações, mais deveres acompanhando os direitos, mais leis.
Para estarmos seguros mandamos a plena liberdade às favas. Desde a criação do Estado e sendo essa uma criação do homem, o mesmo se configura como a única estrutura da qual nunca nos libertaremos até os marcos atuais, sejam em países capitalistas ou socialistas. Sempre somos coagidos pelas leis de um Estado Nacional. Mesmo quando mudamos de país apenas mudamos de leis, mas por todo o planeta a nossa existência é limitada ao que prevê a lei. Esta é um acordo escrito entre os homens, um contrato social, pensado inicialmente por John Locke e Thomas Hobbes, que garante liberdade, mas a tal liberdade sempre, mas sempre mesmo, é relativa e não absoluta, por levar em conta a interdependência que marca a vida em sociedade, em como as ações de um afetam o outro. Não existe Direito absoluto.
Por isso, bradar por liberdade no mundo de hoje, no Brasil de 2020, vai contra tudo aquilo em que acredita a própria burguesia, todo o sistema criado e aprimorado por vários teóricos, que garantiram que trocássemos a liberdade plena pelos direitos circunscritos por lei, que, em tese, dariam um equilíbrio entre os pares, com direitos e deveres nivelados pelas normas. Querer sair durante a quarentena ou não usar máscara, alegando que você tem esses direitos nem é verdade, o decreto-lei que está em voga no momento – criado em função da Covid-19 – não deixa você fazer isso por um motivo simples: sua ação afeta a vida de outra pessoa, sendo assim, afeta a segurança da mesma e a liberdade dela não ser contaminada por você. Gerando desconforto, tal ação requer medida coercitiva por parte do Estado, amparado pela Lei.
Assim como, fora da pandemia, você não pode sair pelado na rua, estacionar onde quiser entrar na hora que quiser em um estabelecimento público ou privado, levar qualquer coisa que não seja sua pra casa… porque o que você faz afeta os demais e as leis impedem tais ações.
A única maneira de acabar com isso, de ser plenamente livre, é destruir o Estado. Se você defende isso, acha que a sociedade já chegou a um grau de maturidade que o permita, meus parabéns: você está pensando como um defensor da sociedade de tipo comunista, em que teríamos condições de viver como irmãos, compartilhando o produzido, sem mediação do Estado para garantir a equalização dos Direitos.
[Ilustração: Pieter Cornelis Mondriaan]

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