27 abril 2023

Escolas não precisam de polícia

Massacres nas escolas: a PM resolverá?

Governador de SP quer mais vigilantismo para enfrentar risco de atentados. Mas há alternativas concretas e eficazes. Por exemplo, sistemas em que alertas preventivos da comunidade escolar sejam escutados pelos conselhos tutelares e polícia.
O artigo é de Almir Felitte, advogado e estudioso de Políticas de Segurança Pública, publicado por Outras Palavras
Unisinos

 

Em um país de tragédias diárias como o Brasil, não é só com a violência que nos acostumamos. Virou parte da nossa cultura política, também, a promessa de soluções que nada solucionam. No caso da segurança pública, esse ciclo sem fim é ainda mais evidente. Não há tragédia neste país que não venha acompanhada de “mágicas” propostas conservadoras que sequer arranham os verdadeiros problemas da população.

Nosso último triste caso foi o massacre perpetrado em uma escola paulistana por um aluno de 13 anos, culminando na morte da professora Elisabete Tenreiro. Até o momento, tudo tem indicado se tratar de mais um crime de ódio. Relatos de alunos, confirmados por pais e diretoria, apontam que o aluno agressor havia sido repreendido na semana anterior ao proferir xingamentos racistas a um colega e, desde então, já vinha planejando um ataque à escola.

De forma completamente oportunista e impensada, o governador Tarcísio já se apressou em dizer que estuda colocar policiais da reserva permanentemente nas escolas como uma questão de segurança. E é neste ponto que, mais uma vez, entramos no velho ciclo de “soluções mágicas” que nada solucionam.

polícia militar, de fato, tem um caráter preventivo. Ela é o que chamamos de polícia ostensiva, ou seja, uma polícia que, como a própria palavra nos diz, se mostra, é facilmente visível pela população, como uma forma de desencorajar que crimes sejam cometidos nos lugares em que ela se faz presente. O grande problema é que, no Brasil, há uma resistência enorme em compreender que este tipo de prevenção é bastante limitado.

Certamente, para crimes de oportunidade, como furtos ou roubos, o trabalho de policiamento ostensivo pode funcionar como forma de prevenção nos locais em que for aplicado. Mas, apenas a título de exemplo, coloque um policial ostensivo em cada esquina do país e isto teria pouco ou nenhum efeito sobre a violência contra mulheres, geralmente cometida no silêncio do âmbito doméstico.

O que se quer dizer aqui é que os tipos criminais têm natureza e causas diversas entre si. Em outras palavras, não há solução mágica que abarque todos os crimes de uma vez só, e as políticas de segurança pública precisam compreender essa diversidade.

No caso em questão, se estamos a falar de uma nova onda de crimes de ódio nas escolas, será que realmente faz sentido oferecer como solução o posicionamento de policiais ostensivos diariamente nas escolas como forma de prevenção? Nesses casos, até que ponto o policiamento ostensivo seria realmente preventivo?

Se os governantes realmente querem buscar uma solução para este tipo específico de violência, é preciso, primeiramente, se aprofundar em suas causas e seus métodos. Estamos falando de casos que parecem cada vez mais se espelhar nos massacres motivados por ódio há tantos anos vistos em escolas e faculdades dos EUA. Crimes que, quase sempre, sucedem uma série de avisos de seu próprio autor que acabam ignorados pelas autoridades ou pelas comunidades escolares.

Não são raros, nestes casos, que seus autores se utilizem de redes sociais e fóruns na internet para conversar e combinar com outros extremistas ataques deste tipo. Muitos deles chegam a deixar manifestos de cunho extremista, proferindo discursos de ódio, momentos antes de perpetrar seus massacres.

Já é mais do que sabido pelas autoridades que há fóruns inteiros na internet dedicados a exaltar estes tipos de violência e a tratar como mártires seus autores. Isso, aliás, impacta diretamente nos métodos usados por esses agressores.

Esta martirização torna comum, por exemplo, que os autores destes ataques não se importem em serem pegos, cometam suicídio ao fim dos massacres ou mesmo entrem em confrontos suicidas com as forças de segurança. Dito isto, novamente pergunto: o posicionamento de uma polícia ostensiva diariamente nas escolas realmente evitaria estes crimes de ódio? Ou estamos a falar de um tipo de crime que necessita de uma prevenção anterior?

No caso desta semana, por exemplo, já há relatos de que sua antiga escola havia registrado um B.O. contra o aluno por “comportamento suspeito”, vez que este fazia postagens e enviava mensagens a outros alunos portando armas com mensagens ameaçadoras. Impossível, assim, não se questionar se houve negligência de outras autoridades que poderiam ser responsáveis por essa prevenção, como a polícia civil e o conselho tutelar.

Nesse sentido, são importantes as considerações trazidas por Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em suas redes. Ela lembra que, após o massacre do colégio de Suzano em 2019, novos protocolos foram criados para lidar com esse tipo de ameaças em ambiente escolar. Um deles é o programa Conviva, que traz uma articulação entre a rede de ensino, o conselho tutelar e a PM através da Secretaria de Educação.

Segundo Samira, este mesmo programa já chegou a evitar massacres parecidos em Avaré, no ano de 2020. Assim, é preciso se perguntar porque, mesmo com um B.O. já realizado contra o aluno, desta vez, o programa não funcionou, em que ponta do programa houve negligência por parte do Estado ou mesmo se o programa continua em pleno funcionamento?

Aliás, as próprias declarações de Tarcísio apontam para os reais problemas. Tarcísio fala em “fortalecer” o Conviva, aumentando em 10 vezes seu número de profissionais, em “atualizar” sua plataforma e em “retomar” o programa de psicologia nas redes de ensino. Suas falas passam a impressão de que todos estes sistemas haviam sido simplesmente descontinuados ou sucateados nos últimos anos e em seu próprio mandato.

Mesmo apontados, porém, estes problemas parecem ser escanteados quando se coloca no foco, mais uma vez, o policiamento ostensivo da PM como grande remédio para a questão. Este, aliás, é o grande problema da segurança pública brasileira: a capacidade que a PM tem de se colocar no centro de qualquer proposta sobre segurança no país. É uma espécie de interdição do debate, onde qualquer medida que não envolva a PM é desacreditada em “tom professoral”. No caso dos crimes de ódio em ambiente escolar, em um país inundado por armas e onde o discurso de Bolsonaro ainda ecoa, esta é uma postura que pode continuar custando vidas.

Há muitos debates que podem trazer propostas realmente preventivas para frear este tipo de violência nas escolas. Da regulação das redes ao acompanhamento psicológico de alunos e professores, há um claro caminho de propostas que não envolvam simplesmente aceitar os confrontos armados nas escolas como algo inevitável. A segurança pública brasileira precisa estar aberta a estas alternativas.

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