Ao ultrapassarmos a grade que dava acesso ao pavilhão dos presos políticos na Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá, em meados de 1974, uma contraditória alegria nos invadiu a alma.
Pelo reencontro com companheiros da “geração meia-oito” do movimento estudantil no Recife; e – acreditem – pela sensação de liberdade por passar a conviver com mais trinta e dois presos e com eles realizar reuniões imensas, comparadas às conversas de três a cinco, em aparelhos rigorosamente protegidos ou nos escondido das matas e das serras de algumas áreas nordestinas.
Na dura clandestinidade, falávamos baixo e aplaudíamos os oradores estalando o polegar no indicador. No presídio, ultrapassada a fase das torturas, podíamos falar alto, debater o que bem quiséssemos, ler o que se encontrava à disposição. Tinha coisas boas na modesta biblioteca do nosso pavilhão: Marx, Engels, Lênin, Gramsci; Cortazar, Joyce, Borges; Guimarães Rosa, Machado de Assis, Lima Barreto, Graciliano Ramos, José Lins do Rego. Era, o ambiente da cadeia, por assim dizer, por mais paradoxal que seja dizer isso agora, uma espécie de antevisão da democracia que ansiávamos restaurar no Brasil. Mesmo nos moldes liberais que, ao gosto da elite dominante, sempre se fez instável e vigilante diante dos avanços das correntes populares.
As liberdades democráticas foram restabelecidas, enfim, a partir da vitória de Tancredo contra Maluf, justo no Colégio Eleitoral que havia sido criado para perpetuar o regime autoritário, sufocado entretanto pelo amplo movimento democrático e popular Muda Brasil. Dali em diante, por caminhos complexos e tortuosos, os que vivem do próprio trabalho e só têm a ganhar com o alargamento da democracia vêm aumentando sua participação nas esferas políticas e administrativas do poder. Uma conquista a ser preservada e aperfeiçoada com vigor e carinho; com destemor, mas com esmero na observação de regras processuais mínimas que lhe assegurem a institucionalidade, tão necessária na presente correlação de forças.
Mas nem sempre essa atitude a um só tempo ativa e equilibrada é assumida por alguns fragmentos dos movimentos sociais. Aqui e acolá, por influência negativa de correntes políticas tão radicais no palavreado quanto inconseqüentes na ação, a frágil democracia reconquistada se vê atingida precisamente por quem dela mais necessita. Como aconteceu terça-feira última, com nítidas nuances de provocação política, na baderna promovida pela organização autodenominada Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST).
Não fosse a firme atitude do presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, que usou de suas prerrogativas mandando inclusive prender os irresponsáveis, a fúria destrutiva teria causado mais estragos ainda. Alguns atos de vandalismo praticados exibiram a marca da insanidade e do descompromisso com o processo democrático: a destruição de computadores usados para registrar dados do povo que ali ingressa e para orientar os visitantes; e do busto de uma das vítimas do regime militar, o ex-deputado, ex-senador e ex-governador de São Paulo Mário Covas.
Ao que se sabe, o MLST congrega dissidentes do MST e tem em seus quadros dirigentes integrantes do PSOL, PSTU e mesmo do PT.
Cabe a pergunta: sabe essa gente o valor da liberdade e a importância de conduzir a luta dos trabalhadores rurais por trilhas e métodos conseqüentes? Ou pretendem apenas agitar as bandeiras do caos à margem do processo real da luta do povo brasileiro?
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