03 novembro 2006

Um posfácio para o colapso da oposição

Do Blog do Alon:

Maria Sylvia Carvalho Franco escreve hoje artigo na Folha de S.Paulo. É a síntese quase perfeita da confusão mental que vitimou tucanos e pefelistas na eleição recém-terminada. Não estou dizendo que ela é tucana ou pefelista, estou afirmando que ela redigiu hoje na Folha uma espécie de posfácio da cartilha que levou PSDB e PFL à derrota. Com o seu texto, Maria Sylvia mostra, vistosamente, o equívoco que é tentar estabelecer uma relação linear entre grau de instrução e sabedoria política [aqui, um parêntese: não deixa de ser divertido observar como Luiz Inácio Lula da Silva fez de idiotas os que o consideram um idiota quase perfeito]. A essência do pensamento de Maria Sylvia não é original. Espremida a retórica, fica a idéia de que o assistencialismo e a apropriação dos vetores de atraso na vida política brasileira foram os fatores essenciais para Lula obter mais um mandato de quatro anos. Rapidamente, vou me deter na palavra assistencialismo. Quer dizer, segundo o Houaiss,

1 Rubrica: sociologia.doutrina, sistema ou prática (individual, grupal, estatal, social) que preconiza e/ou organiza e presta assistência a membros carentes ou necessitados de uma comunidade, nacional ou mesmo internacional, em detrimento de uma política que os tire da condição de carentes e necessitados2 Rubrica: política. Uso: pejorativo.sistema ou prática que se baseia no aliciamento político das classes menos privilegiadas através de uma encenação de assistência social a elas; populismo assistencial.

Se eu fosse candidato a qualquer coisa, ainda que só a participar do debate público da política, evitaria usar o termo assistencialismo. Ele é depreciativo para o governante. Ele é ofensivo para o governado. É a versão moderna do velho discurso de que "o brasileiro é pobre porque não gosta de trabalhar". Dizer, como o faz Maria Sylvia, que o eleitor de Lula errou porque votou em alguém que dá o Bolsa Família em vez de escolher um outro candidato que daria emprego é de fazer rolar de rir. Quando você, finalmente, tiver controlado o riso, dê uma olhada nos números. As maiores votações de Lula aconteceram nas regiões do país em que a economia mais avança. O Amazonas deu 86% dos votos a Lula por causa da explosão de crescimento na Zona Franca, e não por causa do Bolsa Família. Talvez os amazonenses tenham desconfiado de que um governo sustentado pela elite econômica e política de São Paulo oporia resistência ao processo de desconcentração industrial do país. Ou seja, votaram em Lula para defender os seus empregos. Lula ganhou em Minas Gerais com 3, 2 milhões de votos a mais do que Geraldo Alckmin (65% a 35%). Ganhou no Rio de Janeiro com 3,1 milhões de votos a mais do que Alckmin (70% a 30%). As estatísticas do IBGE devem estar erradas: se Maria Sylvia estiver correta, Minas e Rio estão entre os maiores depósitos de miseráveis do Brasil. Lula ganhou em Goiás (55% a 45%) e quase empatou no Paraná (49% a 51%) e em São Paulo (48% a 52%). Três conhecidos bolsões de extrema pobreza, como se sabe. Ah, sim, tem o nordeste. Querem saber por que o nordeste votou maciçamente em Lula (77% a 23%)? Conversem com qualquer um que tenha feito campanha eleitoral por ali. Eu conversei. E ouvi a seguinte história, contada por um deputado de Pernambuco que se desgarrou nos últimos anos do bloco liberal-conservador para apoiar Lula.

Cheguei um dia numa cidadezinha do interior pernambucano onde estava reunido um certo público para me ouvir falar. A coisa ia indo meio morna, até que toquei na questão do emprego. Aí eu vi o brilho nos olhos das pessoas. Uma mulher já com seus cinqüenta anos resumiu o pensamento daquela gente:
- Sabe, deputado, nós aqui vamos votar no Lula por uma razão bem simples. Se ele ganhar, nossos filhos e nossos netos vão conseguir emprego e estudo aqui mesmo. Nós vamos poder reunir a família toda semana ou no máximo todo mês. Mas se o Lula perder só vai ter emprego mesmo é em São Paulo. E aí a gente só vai se ver no Natal, isso se as crianças tiverem dinheiro para comprar a passagem de ônibus.

Para a oposição, está na hora de acordar e encarar a realidade. E o despertar não será assim tão ruim. Afinal, estarão acordando de um pesadelo.

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