10 fevereiro 2007

Bom dia, Ledo Ivo


Soneto presunçoso


Que forma luminosa me acompanha
quando, entre o lusco e o fusco, bebo a voz
do meu tempo perdido, e um rio banha
tudo o que caminhei da fonte à foz?

Dos homens desde o berço enfrento a sanha
que os difere da abelha e do albatroz.
Meu irmão, meu algoz! No perde-e-ganha
quem ganhou, quem perdeu, não fomos nós.

O mundo nada pesa. Atlas, sinto
a leveza dos astros nos meus ombros.
Minha alma desatenta é mais pesada.

Quer ganhe ou perca, sou verdade e minto.
Se pergunto, a resposta é dos assombros.
No sol a pino finjo a madrugada.

Um comentário:

  1. Para vc, Caríssimo Luciano Siqueira,Lucy, família comunista, abraço, saudade do Recife...

    Selenia Granja


    LEDO IVO

    “Amar mulheres,várias
    amar cidade,
    só uma – Recife.
    E assim mesmo com as suas pontes
    E os seus rios que cantam
    E seus jardins leves como sonâmbulos
    E suas esquinas que desdobram os sonhos de Nassau”


    O epitáfio que João Cabral criou para mim é este :

    “Aqui repousa
    Livre de todas as palavras
    Ledo Ivo,
    Poeta,
    Na paz reencontrada
    de antes de falar
    E em silêncio,
    o silêncio
    de quando as hélices
    param no ar “.

    Ledo Ivo



    Plenilúnio
    LEDO IVO

    Uma lua enorme
    paira no céu pálido
    da minha cidade.
    Ó lua do Rio,
    das perversidades
    e dos desvarios.
    Ó lua canina
    de quem está no cio.
    Lua das marés
    e das meigas lésbicas
    que dormem em ninhos
    como passarinhos.
    Casta lua esdrúxula,
    teu raio ilumina
    o sonho das bruxas
    e estelionatários.
    Lua enfeitiçada
    pousada no olhar
    dos visionários
    Lua espermática
    que clareia a insônia
    das virgens cloróticas.
    Trágica e trêmula
    lua dos drogados.
    Lua dissoluta
    dos filhos da puta.
    Lua dos fanchonos
    ocultos nas grutas
    e das bichas loucas
    que elevam na noite
    suas vozes roucas.
    Ó lua das pobres
    peruas que rondam
    as rodoviárias
    rodando as bolsinhas.
    Galcial e esquiva
    lua das donzelas,
    camélias imóveis
    nas altas janelas.
    Impura e obscena
    lua das cadelas.
    Impura e obscena
    lua das cadelas.
    Ó lua dos gays
    e reis destronados,
    branca branca lua
    alva como as hóstias
    e as brancas mortalhas.
    Asséptica e veloz
    lua da informática.
    Leda e altaneira
    lua que alucina
    galos e morcegos
    entre os vales negros
    que escondem boninas
    e os pálidos rios.
    Ó lua das ilhas
    que migram à noite
    para os outros mares.
    Ó lua andarilha
    dos caminhoneiros.
    Lua de alvaiade
    no céu sempre longe
    da fomes dos homens.
    Lua sem São Jorge
    que vigia os passos
    dos frades ascéticos
    e gordos abades.
    Lua dos lunáticos
    que sonham com a lua
    vagueando à noite
    pelas ruas nuas.
    Lua dos ciganos
    que roubam cavalos
    na noite tão clara
    que parece dia.
    Fria e imaculada
    lua dos amantes
    deitados em camas
    que lembram navios
    em cais de açucenas.
    Lua dos dementes
    que uivam como cães
    nas noites de lua.
    Ó cruel e frígida
    lua dos suicidas
    que alumia a morte
    e escurece a vida.
    Lua langorosa,
    pássaro sem asas,
    grande sol de prata
    que guia os suspiros
    das donas-de-casa.
    Lua da alegria:
    as cigarras cantam
    pensando que é dia.
    Lua virginal,
    bela como o pão,
    branca branca branca
    da alvura de cal.
    Ó lua que veste
    do mais puro linho
    a forma da noite,
    ó lua de arminho.
    Brancura! Brancura!
    Lua coroada
    de brancos espinhos.
    É o plenilúnio,
    lume que ilumina
    as terras e os mares,
    casas e caminhos,
    e esconde na sombra
    pássaros e ninhos.
    E um céu disforme
    se abre à alma imunda
    que entra no céu
    só quando Deus dorme.

    Arte e editoração de Cláudia Cordeiro Reis

    Selenia Granja

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