14 agosto 2007

Bom dia, Carlos Drummond de Andrade


Aurora

O poeta ia bêbedo no bonde.
O dia nascia atrás dos quintais.
As pensões alegres dormiam tristíssimas.
As casas também iam bêbedas.

Tudo era irreparável.
Ninguém sabia que o mundo ia acabar
(apenas uma criança percebeu mas ficou calada),
que o mundo ia acabar às 7 e 45.
Últimos pensamentos! últimos telegramas!
José, que colocava pronomes,
Helena, que amava os homens,
Sebastião, que se arruinava,
Artur, que não dizia nada,
embarcam para a eternidade.

O poeta está bêbedo, mas
escuta um apelo na aurora:
Vamos todos dançar
entre o bonde e a árvore?

Entre o bonde e a árvore
dançai, meus irmãos!
Embora sem música
dançai, meus irmãos!
Os filhos estão nascendo
com tamanha espontaneidade.
Como é maravilhoso o amor
(o amor e outros produtos).
Dançai, meus irmãos!
A morte virá depois
como um sacramento.

Um comentário:

  1. Aurora.
    O bom poema é para ser dito em versos curtos, com palavras que remetem a um universo, através de signos, tal como aqueles sinais traçados no espaço por um intérprete de obra sinfônica, que remetendo signos por meio de uma batuta são os mesmos elucidados e volatizados em sons, emitidos por uma orquestra ou um coro.
    O nexo, em Drummond, emerge pelos conteúdos dos signos que remete em forma de poema que ensina o exercício da vida, mesmo que ambiguamente, pelos pensamentos de um bêbedo com toda sua carga de sensibilidades. Maravilha!
    José Amaro.

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