Por Marcio Pchmann, na Folha de S. Paulo:
A economia brasileira mudou profundamente a partir do fim do ciclo de industrialização nacional (1930-1980), embora quase tudo se passe como se nada tivesse ocorrido. Atualmente, ela pode ser distinguida pela simultaneidade dos movimentos de sístole dos vasos comunicantes internos e de diástole dos novos enclaves comprometidos com o exterior. Enquanto a atrofia dos vasos sanguíneos gera mais necrose no tecido produtivo, a proliferação de enclaves no interior do sistema econômico possibilita anestesiar os sintomas da especialização regressiva.
Nesses termos, o país estaria abandonando o sentido da integração sistêmica no interior do seu aparelho produtivo de dimensão continental para fortalecer a nova condição de arquipélago decomposto por diversas ilhas quase que autonomamente integradas ao mar revolto da globalização.
Exemplo disso tende a ser a "ilha de prosperidade" representada pelo sistema bancário no país, que não fica atrás de nenhuma nação desenvolvida, pois opera com tecnologia de ponta e parece estar coetâneo com os desafios da competição mundial.
Interessante notar, contudo, que sua modernização não terminou por transcorrer simultânea e associada ao desenvolvimento da economia nacional. Pelo contrário: quando o Brasil passou pela grave crise da dívida externa (1981-83), os bancos introduziram o cartão de dimensão nacional capaz de capturar imediatamente os recursos de seus correntistas para ser convertido nos lucros fantásticos obtidos pelo avanço do regime de financeirização da riqueza patrocinado pelo endividamento do setor público.
Com o fracasso do Plano Cruzado (1986), os bancos perceberam que a convivência com uma possível estabilização monetária teria que implicar novas e adicionais fontes de receita.
Assim, houve o avanço na cobrança dos serviços bancários, com tarifas crescentes e acima da inflação, mesmo com a abertura financeira da década de 1990, que prometia abalar a estrutura oligopolista de atuação e formação de preços dos bancos.
Da mesma forma, constata-se que, no auge da superinflação (1988-1994), os bancos viabilizaram a terceirização da mão-de-obra, o que permitiu reduzir parte das despesas com recursos humanos a partir da demissão de quase 600 mil bancários em todo o país.
Acresce ainda à estratégia de corte nos custos operacionais o avanço nas funções de auto-atendimento, de enxugamento de agências, de fusões e de privatizações, responsáveis -em maior ou menor medida- pela ampliação da quantidade de municípios e localidades pobres submetidos ao processo de exclusão bancária.
Mesmo assim, parcela importante dos bancos teve dificuldade para conviver com a estabilidade monetária proporcionada pelo Plano Real. Entre 1995 e 2001, o Proer (programa para a reestruturação do sistema financeiro) foi responsável pela injeção de R$ 20 bilhões nas finanças dos bancos.
Acresce também o fato de a atuação bancária ocorrer num contexto extremamente favorável aos ganhos financeiros, proporcionado tanto pela fixação do preço mínimo de operação, que está entre as mais altas taxas de juros do mundo, como pela prevalência de "spread" bancário dificilmente observado em outro país. Não causa surpresa reconhecer, portanto, como bancos estrangeiros em operação no país conseguem registrar por aqui lucros inimagináveis em outros lugares.
Destaca-se ainda que, desde o acordo firmado com FMI, em 1999, passou a vigorar a providência do superávit primário nas contas públicas, capaz de sustentar parte das despesas com o pagamento de juros do endividamento. Em quase duas décadas, o setor público tem transferido de 4% a 7% do PIB por ano ao setor bancário na forma de pagamento de juros.
Em síntese, observa-se que a constituição de um dos mais modernos sistemas bancários do mundo, acompanhado de lucros vultosos no Brasil, não decorre do fortalecimento das engrenagens da economia nacional. Para um bom analista, trata-se de mais uma anomalia que, entre outras, tem sido responsável pelo aparecimento de algumas ilhas que vêm sendo reproduzidas a mais tempo no arquipélago do Brasil.
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