A crise, o chavão e a prática
Luciano Siqueira
Está na boca de todo mundo – ou pelo menos na dos economistas e especialistas de áreas afins chamados a discorrer sobre a atual tormenta financeira global: a crise é também uma oportunidade.
Tudo bem, que assim seja encarada toda situação difícil e complexa. Mesmo quando se trata de uma crise sistêmica, profunda e de conseqüências imediatas em grande medida imprevisíveis como a atual, que se prolonga há mais de um ano e agora assume contornos verdadeiramente catastróficos. Ao invés de sucumbirmos diante da avalanche de ameaças, que as enfrentemos com astúcia, criatividade e firmeza.
É o que o governo Lula vem tentando fazer ao apostar nas próprias potencialidades do país, turbinado por previsões otimistas como as anunciadas pelo ministro Mantega, da Fazenda, dias atrás, quando o presidente reuniu todo o ministério para tratar do tema. "A situação no Brasil está sob controle, graças ao que nós fizemos”, assinalou. E estimou para 2009 um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) "em torno de 4%".
Mas aí estaria apenas a primeira parte da atitude afirmativa diante da crise, fazendo dela uma oportunidade de seguir em frente num rumo progressista para o país.
Outra parte bem poderia ser a adoção de medidas de certa maneira ousadas, em complemento do que vem sendo feito. Ou seja, ir além de segurar o nível de investimentos públicos em infra-estrutura, de injetar recursos pela via direta ou pela desoneração fiscal em setores dinâmicos da economia visando a manter a produção, o crédito, o consumo e o emprego.
O economista Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em debate promovido pelo Bloco de Esquerda (PCdoB, PSB, PDT, PRB, PMN) na Câmara dos Deputados, anteontem, ensaiou algumas proposições nessa direção. Ele considera que uma parte da sociedade – os muitos ricos – não é tão afetada assim pela crise, alguns segmentos até se beneficiam dela e podem contribuir para o amento da arrecadação se medidas infraconstitucionais com esse intuito forem adotadas. O IPTU progressivo, cobrado pelas prefeituras, seria um exemplo: romperia com uma “igualdade injusta” (expressão minha) que quase equipara mansões e casebres.
Nessa mesma linha Pochmann sugere a redução dos gastos públicos com juros (o país gasta duas vezes mais com juros da dívida do que com educação), beneficiando o setor rentista.
Para que medidas desse teor venham a acontecer – e saiamos do chavão para a prática -, no entanto, será necessária uma pressão social que ainda não se vê no horizonte.
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