Na Folha de S. Paulo:
Juros extravagantes
A política monetária brasileira está demorando a se adaptar às novas circunstâncias
Paulo Nogueira Batista Jr.
Prepare-se, leitor: o artigo de hoje vem um pouco carregado de estatísticas (essa permanência aqui no FMI está arruinando o meu estilo). Feita a advertência, começo. É impressionante como mudou a situação econômica brasileira e mundial. Há poucos meses, a inflação parecia ser um grande risco -pelo menos para países como o Brasil. As atas do Copom sinalizavam uma longa temporada de aumentos na taxa de juro.
A turma da bufunfa salivava intensamente.
Hoje, o risco dominante é a recessão -ou uma desaceleração pronunciada no caso do Brasil. Até a deflação voltou a ser uma ameaça para algumas economias. Muitos bancos centrais estão diminuindo as taxas básicas de juro de forma acentuada. Nos últimos dias, houve diversas decisões desse tipo: Banco Central Europeu (-0,75 ponto percentual), Banco da Inglaterra (-1,0), Banco do Canadá (-0,75), Riksbank da Suécia (-1,75), para citar alguns exemplos.
A política monetária brasileira está demorando a se adaptar às novas circunstâncias. Em conseqüência, vem aumentando a já elevada diferença entre os juros praticados no Brasil e no resto do mundo.
A taxa real básica "ex ante" (a taxa nominal descontada a inflação esperada para os próximos 12 meses) situa-se em nada menos que 8%. O Brasil continua a liderar, com folga, o ranking mundial de juros.
A Uptrend Consultoria Econômica publica regularmente um levantamento dos juros básicos praticados nos 40 principais mercados desenvolvidos e emergentes. Nos Estados Unidos, no Reino Unido e no Japão, a taxa real básica é negativa em 2,6%, 2,4% e 1,4%, respectivamente.
A Alemanha é atualmente o único dos principais países desenvolvidos a registrar taxa real positiva (1,1%).
Nos mercados emergentes, as taxas são moderadas, quando não negativas, em termos reais. Na China, por exemplo, o juro básico real é atualmente de 1,5%; no México, 2,3%. A Rússia e a Índia praticam juros reais negativos, respectivamente de -0,7% e -4,0%. A média geral nos 40 mercados é negativa em 0,3%, segundo a Uptrend Consultoria. Existem motivos de sobra para começar a reduzir a taxa de juro no Brasil. Acumulam-se sinais de que a economia está perdendo impulso.
As projeções de crescimento para 2009 vêm sendo revistas para baixo, sistematicamente. O FMI reduziu a sua previsão para 3%. No levantamento das projeções de mercado, realizado pelo Banco Central, o ritmo de crescimento esperado para 2009 caiu para apenas 2,5%.
A confirmação desses números representaria evidentemente a recaída no cenário de crescimento medíocre do qual estávamos conseguindo escapar. As taxas de desemprego e subemprego provavelmente aumentariam de maneira significativa.
Haveria risco de inflação se os juros fossem mais moderados? É claro que o Banco Central tem que estar sempre alerta. Como diria um discípulo do Conselheiro Acácio, o preço da estabilidade é a eterna vigilância.
Mas não parece existir grande risco. As expectativas de mercado, levantadas pelo Banco Central, apontam para uma inflação da ordem de 5,4% nos próximos 12 meses. As expectativas estão estabilizadas nesse patamar há várias semanas. As estimativas da inflação subjacente (os chamados núcleos da inflação) também registram taxas moderadas, inferiores ao teto da meta de inflação, que é 6,5%. Controle da inflação, sim -mas sem extravagâncias doutrinárias.
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