A pensão da Rua São Paulo e o custeio da máquina
Luciano Siqueira
Levado ao quarto mais do que espartano, onde me esperava uma rede gasta pelo tempo e pelo uso, a dona da pensão ia logo avisando: “- Às 23 horas todas as luzes se apagam, para economizar energia.” Quer dizer, no meio da noite, a luz do quarto podia ser acesa, pela dona ou um seu preposto, para introduzir mais um hóspede, a ser alojado noutra rede posta ao lado.
Era uma pensão na Rua São Paulo, no centro de Fortaleza, no início dos anos setenta, opção de hospedagem barata – quem sabe uns trinta reais a preço de hoje, sem direito a café da manhã – para quem viajava clandestino, como vendedor ambulante, a serviço do Partido, sob risco de ser apanhado pela repressão policial da ditadura militar. Tudo era precário. O banho, então, um desafio dos piores: a gente tinha que se equilibrar sobre tijolos para não pisar na água suja, e fazia uso de uma lata usada de óleo Salada para tirar a água quase gelada armazenada num tonel.
Hoje, mais de trinta anos passados, não é a redução de custo da energia de uma pensão miserável freqüentada por camelôs, sacoleiros, caixeiros viajantes de baixo nível e, eventualmente, prostitutas que me preocupa; a economia é outra – a anunciada pelos novos prefeitos recém-empossados. Parece um discurso ensaiado: todos anunciam medidas de contenção de despesas (por causa da crise financeira global e suas repercussões sobre a arrecadação municipal), ao mesmo tempo em que asseguram a continuidade de programas e serviços essenciais.
Não é um discurso errado, apenas carece de consistência, se não acompanhado da fixação de objetivos e metas e normas de conduta ordenadas por decreto. Por uma razão muito simples: todos os prefeitos, ou quase todos, quando falam em redução de despesas se referem ao custeio da máquina administrativa; vale dizer: cortes de pequenas e pouco percebidas despesas cotidianas que somadas pesam significativamente nas contas municipais. São gastos associados a comportamentos cristalizados há anos e que fazem parte da cultura do serviço público. Veículos, combustível, telefones fixos e celulares, papel A4, cartucho de impressoras, ticket refeição e quejandos.
Se olharmos para a execução orçamentária de uma prefeitura de cidade de porte médio, até que cabe questionar o peso real do custeio da máquina, comparado aos demais itens. Acontece que só é possível cortar despesas com o custeio de houver também contingenciamento de recursos para a execução de programas e serviços – do contrário, não se cria o impacto necessário sobre secretários, diretores, assessores e o corpo funcional, nem a consciência coletiva de que o regime é de economia mesmo.
Difícil é mudar o comportamento das pessoas (como na velha pensão não me era fácil adormecer sem ler páginas de algum livro) – reaproveitar o verso de folhas de papel usadas, por exemplo. Pior ainda é conter determinadas ações, tipo manutenção da infraestrutura urbana.
Daí a dimensão do desafio dos novos prefeitos. Austeridade administrativa não é apenas para quem quer, é para quem tem coragem e pulso.
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