Divergências sem ruptura
Luciano Siqueira
A vida não cabe num esquema. Esquemas valem apenas como referencias teóricas na análise concreta da realidade como ela é, e não como subjetivamente desejamos que fosse. No entanto, frequentemente nos deparamos com pontos de vista acerca de determinado fato ou fenômeno fundados precisamente numa compreensão rígida e esquemática da realidade.
Na política, então, basta conferir o que dizem e escrevem analistas da grande imprensa ou certos cientistas políticos circunscritos à vida acadêmica: quanta distância da vida real!
Quer um exemplo? PCdoB e PT são partidos aliados, logo devem estar alinhados em tudo; se divergem, instala-se uma crise na relação entre os dois partidos com risco de ruptura. Certo ou errado? Assinale, óbvio, a segunda alternativa.
Ora, relações entre entes distintos comportará sempre convergências e discrepâncias, unidade e luta. Não há outro caminho para dar consistência ao entendimento entre as partes que não a discussão aberta e franca - e a polêmica quando necessária.
Partidos se aliam em função de idéias e propósitos que se mostram comuns, ressalvadas, porém, diferenças conceituais e metodológicas.
Outro exemplo. Antigos adversários jamais poderão se juntar. Novamente errado. Partidos antes postos em campos distintos podem, sim, somar esforços numa mesma direção em dado momento em favor dos interesses do povo; ou, no caso de partidos conservadores, em defesa do status quo. E nada impede que adiante voltem a divergir e a pelejarem entre si.
Por que essa digressão? Porque o raciocínio esquemático inspira inquietações em militantes e ativistas a propósito das diferenciações entre o PCdoB e o PT, e o Bloco de Esquerda (PCdoB, PSB, PRB e PMN) e o PT e seus aliados ao centro no interior da ampla de apoio ao governo Lula (vide a recente eleição da Mesa da Câmara dos Deputados). Tais diferenciações refletem a complexidade da sociedade brasileira, suas desigualdades e conflitos e a dimensão dos desafios que a heterogênea coalizão governista tem diante de si.
Para 2010, então, um debate há que ser enfrentado – a necessidade de um novo pacto social e político que ultrapasse os limites da Carta aos Brasileiros assumida por Lula no segundo turno das eleições de 2002 – compromissos com o sistema financeiro que entravam o crescimento econômico. Passar indene pela crise financeira global implica ir mais além – e esta deve ser a base da candidatura presidencial que venha a unir as forças hoje reunidas em torno do governo Lula. Mais um tema polêmico, sem dúvidas.
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