Fragmentos da vida longe da folia
Luciano Siqueira
É um velho hábito. Deixo se acumularem sobre uma cadeira, ali na varanda, próximo à rede, folhas e folhas de jornais dias a fio. De vez em quando arranco uma página qualquer e me deixo surpreender pelo que está escrito.
Outro dia li que o presidente de uma grande empresa jurara de pés juntos que não demitiria trabalhadores em razão da crise financeira global. - Nossa empresa é saudável, bem planejada, cronogramas em dia, não há motivo para dispensar ninguém. Isso foi há nada mais do que dez dias. Mas em todos os jornais de anteontem há manchetes falando de quase seis mil demissões em três unidades da empresa espalhadas por dois estados.
E tem o caso da atriz global fotografada aos mimos com o namorado. – Nosso amor é indestrutível, basta de fofocas! Mas a vida parece bem mais complexa do que mexericos de colunistas mundanos. Não é que foram parar na delegacia de polícia, a atriz e o namorado, por uma surpreendente troca de sopapos em restaurante fino do Rio!
Não são todos os dias, que tenho mais o que fazer, mas que me divirto não posso negar, mexendo em recortes de jornais velhos.
Comentando o assunto com um amigo, ouvi de pronto a sentença condenatória: - Coisa de quem quer perder tempo!
Mas não é isso, não. O amigo está completamente enganado. Ganho tempo. E aprendo. Como assim? Observando as coisas da vida, ora.
Agora mesmo tenho comigo um recorte tipo verso e reverso da condição humana. É da Folha de S. Paulo. De um lado, o anúncio de faraônico condomínio residencial com tudo o que nem consigo imaginar. Coisa para aquela elite sofisticada que concentra mais de noventa por cento da renda do país. Do outro lado, notícias de ocupação de imóveis abandonados por sem-teto.
Mexo nessas coisas e faço essas anotações sem eira nem beira em pleno carnaval, longe da folia e às voltas com coisas que guardo justamente para isso: consultar quando nada tiver para fazer além de matar o tempo.
Longe da folia, sim. Bem que podia estar subindo e descendo as ladeiras de Olinda ou me deliciando no Recife Antigo, atrás de blocos, troças, maracatus, caboclinhos, bois. Mas acontece que o uso do cachimbo entorta o lábio. Oito anos distante da festa para fugir do roteiro oficial de vice-prefeito, resolvi escapar novamente, recolhido às minhas leituras ou protegido pela película escura do carro, a salvo das tentações de Momo. Por enquanto, antes que um fato novo me desminta.
Bela crönica! Sua sensibilidade cativa cada vez mais eleitores e leitores...
ResponderExcluirJoana Azevedo
É por essa e muitas outras mais que o admiro como político e como cidadão que não perde a sensibilidade e a ternura nunca.
ResponderExcluirMariângela Sampaio