A candidatura da ministra e uma nova Carta aos Brasileiros
Luciano Siqueira
A sabedoria popular recomenda jamais colocar o carro adiante dos bois: não tratar como fato consumado aquilo que requer antes a construção das condições indispensáveis ao que se deseja. E é o que, em certa medida, vem acontecendo com a pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff à sucessão de Lula. O presidente a anuncia como nome de sua preferência, o PT encampa a idéia e sai por aí a anunciando como favas contadas. Como se a popularidade do presidente e os índices elevados de aprovação do governo fossem suficientes para resolver a parada.
Como na clássica paródia, diria Garrincha: falta combinar com os russos. Os russos, no caso, são muitos: a oposição, que tem candidatura potencialmente forte; e os aliados do Partido dos Trabalhadores que nada tem contra a ministra mas não se dispõem a entrar na procissão sem saber qual o conteúdo da reza.
E estão muito certos. Não basta ter um nome respeitável como a ministra, reconhecidamente uma administradora capaz. O mundo está em ebulição, o Brasil idem - e em pleno processo de mudanças que pode ser interrompido, ou não, a depender da superação de entraves que demandam proposta programática e vontade política.
É inegável que sob o governo Lula o Brasil avançou a ponto de encarar a atual crise financeira global apostando em suas próprias potencialidades e voltado para os interesses fundamentais do seu povo. A manutenção de pesados investimentos públicos em infraestrutura, o manuseio de reservas monetárias e a flexibilidade fiscal em favor de atividades econômicas mais dinâmicas, favorecendo o crédito para quem produz e para quem consome nada têm a ver com o receituário neoliberal próprio da era FHC. Ao contrário, agora é o Brasil trilhando o seu próprio caminho. Como bem assinala a professora Maria da Conceição Tavares (em entrevista à Carta Maior), “pela primeira vez na história, o Brasil enfrenta uma crise mundial sem ter que carregar o setor público nas costas. Isso é inédito: nesta crise o Estado não está afundado em dívida externa, para não dizer totalmente quebrado, como ocorreu nos anos 90. Significa mais do que não ter um peso morto; significa um Estado em condições de amparar o investimento, o emprego e o capital de giro da economia''.
Mas os resultados das medidas anticrise estão ameaçados pela persistência da política de juros altos e pela relutância do governo em adotar medidas rigorosas de controle do sistema financeiro. Essa postura leniente decorre dos compromissos assumidos pelo candidato Lula em junho de 2002 através da Carta aos Brasileiros, um documento avançado para as circunstâncias, porém hoje superado no que contém de pacto com o sistema financeiro traduzido na senha “respeito aos contratos e obrigações do país”.
Daí a necessidade de uma nova Carta aos Brasileiros que dê conta das exigências atuais, condizente com a nova correlação de forças. Este é o ponto de partida de qualquer candidatura à presidência da República que pretenda ter o apoio das forças à esquerda no amplo espectro partidário que hoje respalda o governo Lula.
Uma aliança “primordial” do PT com o PMDB centrista e subdividido em facções regionais além de semear ilusões eleitorais transitórias pode vir a precipitar a necessidade de uma alternativa à esquerda, com programa e candidatura própria. Daí a absoluta inconveniência do encaminhamento que o PT vem dando à construção da candidatura da ministra Dilma – literalmente ponto o carro adiante dos bois.
Nenhum comentário:
Postar um comentário