Separar o joio do trigo e fortalecer a República
Luciano Siqueira
O cuidado para não jogar fora a criança junto com a água do banho ao esvaziar a bacia, advertência contida no adágio popular, se encaixa perfeitamente à nossa frágil República diante do fogo cruzado em que se encontra em meio a denúncias de incorreto uso de recursos públicos pela Câmara e pelo Senado.
Vamos ao ponto. Que se mantenha vigilância sobre as duas casas do parlamento federal e se denuncie equívocos e distorções – como no uso da cota de passagens aéreas -, assim como atos ilegais e eticamente condenáveis praticados por parlamentares, tudo bem. É dever de todos nós, papel da imprensa. Porém a generalização apressada e desproporcional que se faz rotineiramente, pondo na vala comum o que precisa ser distinguido, ao invés de bem informar e de semear o bom combate, enfraquece as instituições republicanas e trata injustamente aos que se comportam com lisura e responsabilidade pública.
Pior, deixa ao largo a análise de fatores de ordem histórica e estrutural que estão na base de muitas distorções verificadas no Congresso Nacional. Em conseqüência, priva-se a opinião pública da possibilidade de construir seu próprio juízo de valor sobre os acontecimentos. Pois se nada presta e todos são em princípio desonestos, para que Congresso Nacional? Para que a democracia? De que se serve a atividade política?
A onda é tão ameaçadora que até plebiscito sobre a permanência ou não do funcionamento do Congresso já se chegou a aventar, na esteira de declarações de alguns que querem ficar bem com a mídia mesmo que ao arrepio de suas próprias convicções.
A República brasileira, ao longo de cento e dez anos, tem percorrido acidentada e penosa trajetória. Fazendo-se as contas, sobreviveu sob o peso do conservadorismo e de governos ditatoriais a maior parte do seu tempo de vida, o que lhe confere um caráter ainda incipiente, frágil e imaturo.
Não se consolidam instituições políticas sem a prática democrática. E a sociedade brasileira tem certamente considerável trajetória de luta pela democracia, porém insuficiente experiência democrática propriamente dita.
A Câmara dos Deputados e o Senado refletem a sociedade como ela é, com suas contradições e disparidades; com sua complexa e desigual formação econômica e de classes; com suas virtudes e defeitos. Daí a necessidade de um crivo crítico criterioso, apto a condenar as más práticas e a reforçar as boas práticas, para que a instituições se renovem e se aperfeiçoem, ao invés de soçobrarem, dando ensejo a novas aventuras ditatoriais em nosso país.
O aperfeiçoamento há de vir com uma reforma política de sentido democrático, que propicie maior transparência à atividade política, fortalecimento da representatividade e atuação dos parlamentares, ênfase em projetos políticos coletivos e não individuais – bandeira que precisa ser alevantada para além do simples denuncismo vigente.
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