Euforia fora de tempo e de lugar
Luciano Siqueira
Se a situação é difícil e a gente resmunga o tempo todo contras as dificuldades, mais difícil fica. Vale explorar as possibilidades de melhora, trabalhar duro, com os pés no chão e otimismo. Tudo bem. Essa é uma lição do cotidiano de nossas vidas.
Mas outra lição é que euforia aos primeiros sinais de melhora é igualmente ruim. Não ajuda resolver de fato os problemas e inspira ilusões que podem ser fatais.
É o que acontece com alguns analistas e mesmo autoridades do governo federal que soltam fogos antes da hora, afirmando que “o pior já passou” e a crise finalmente está sendo superada.
Como o pior já passou se lá nas terras dos galegos de olhos azuis – EUA e Europa, onde tudo começou – a recessão dá sinais de que está longe de ser vencida?
Ora, o processo recessivo nos países centrais está associado a déficits estratosféricos, desemprego em grande escala, séria redução na atividade industrial e total insegurança quanto à capacidade de recuperação econômica. E os remédios adotados ainda não se mostraram eficazes.
Por outro lado, cá no Brasil – que inevitavelmente continuará sofrendo os efeitos da crise global - no último trimestre de 2008 o PIB apresentou uma queda de 3,6% e a previsão para o primeiro trimestre de 2009 é de uma queda um pouco menor, de 3% - o que significa, na prática, clara tendência recessiva. Na melhor das hipóteses, segundo estimativas de analistas de diversas correntes, teremos um crescimento 0% no ano de 2009, a despeito das importantes e bem intencionadas medidas anticrise adotadas pelo governo.
Exalar euforia num cenário desse beira a irresponsabilidade – ou a mais pura ilusão.
Precisamos, sim, forçar a porta para que os juros reais caiam, os spreads bancários idem; que os empresários topem fazer novos investimentos, que o governo consiga agilizar o PAC e que a maioria da população se dê conta do papel que tem a cumprir na pressão em favor da retomada da produção com oferta de emprego.
A pressão popular é fundamental nesta hora. Pois, olhando bem, os mesmos setores do empresariado dedicados à produção que reclamam dos juros altos, pressionam pouco para que o Banco Central acelere a queda. O que dá a nítida impressão de que estão jogando nas duas pontas e têm lá suas aplicações em derivativos, ou seja, também fizeram suas apostas no mercado financeiro e querem retorno. E como o sistema financeiro no Brasil ainda não se desorganizou, feito nos EUA, ainda dá para tirar uma lasquinha na especulação.
Só quem vive do próprio trabalho não tem essa possibilidade, depende mesmo do crescimento da produção, do consumo e da oferta de postos de trabalho – e, seguramente, não tem nenhum motivo para euforia. www.lucianosiqueira.com.br
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