A vanguarda do atraso
Nagib Jorge Neto
A categoria não deve ficar espantada, ou desencantada, com a decisão do supremo tribunal e as ilações e sofismas do presidente do órgão visando justificar a dispensa de formação e registro para o exercício da profissão de jornalista. A medida é apenas uma tentativa de suprimir conquistas e impor um retrocesso, com velhas práticas definidas e reguladas pelo tacape do mercado. E faz parte de ações e reações antigas contra o jornalismo, os jornalistas, também outras profissões, numa escalada para enfraquecer as lutas sociais, estratégia que pode ser um tiro no pé do sistema.
Por dois ou três equívocos: supor que escrever, fazer artigos, ensaios ou ficção, assegura o domínio de técnicas inerentes às funções de repórter, redator e editor; admitir que qualquer escriba tem noção do fazer jornalístico e daí as empresas podem reduzir custos com pessoal, obrigações e questões trabalhistas; ou mais grave: ignorar o avanço da internet, que cresce como espaço de notícia e crítica, ameaçando a mídia impressa e eletrônica, com limites de espaço, da liberdade de informação e do debate público.
Assim, a decisão prejudica os jornalistas, os cursos de jornalismo e as empresas, até porque ignora o fato de que “o aparecimento das profissões, diferenciadas e bem estruturadas, prende-se à divisão social do trabalho”. A conclusão é de Evaristo de Morais Filho, segundo o qual a regulamentação das profissões e a organização de associações e sindicatos no país só começou em 1903, através do decreto-lei 979, que atendeu os agricultores e foi ampliada, em 1907, com as sociedades cooperativas e o direito de associação para todos os profissionais, inclusive os liberais.”
Nesse sentido, assegura: a medida foi tardia, pois “na idade média – com o sacerdócio, o direito e a medicina – se começou a cuidar propriamente do que se poderia chamar regulamentação da profissão”. Antes disso, portanto, sob pretexto de combater o corporativismo, vigorava a teoria da vontade geral, de Jean Jacques Rosseau, alterada na França em 1884, através de lei que assegurou a regulamentação e organização das profissões industriais, estendida depois aos agricultores.
É inegável, pois, que a decisão do supremo contraria os fundamentos do Estado do Moderno, as conquistas do século XX, numa reciclagem da “vontade geral”, sob o falso pretexto de defesa da liberdade de expressão e o argumento de que a exigência de diploma, de registro, tem base somente no decreto 972, de 1969, do período em que não havia liberdade de expressão intelectual, artística e científica. A tese não tem fundamento, pois antes do decreto os profissionais de comunicação, os sindicatos e associações, vinham lutando por normas, formação e qualificação profissional.
Tanto que o decreto foi editado depois de mais de um século da instalação do nosso primeiro jornal (Gazeta do Rio de Janeiro, em 1808) e de 23 anos do surgimento do primeiro curso de jornalismo no Brasil, em 1946, na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio. O curso foi julgado esquisitice, pois os jornalistas eram literatos e bacharéis que faziam bico, ou focas com textos ou anotações que precisavam ser escritos ou reescritos.
É certo que havia nomes de prestígio nas letras nacionais, mas um repórter podia ser recrutado sem qualquer teste, curso, situação que passa a ser alterada em fins dos anos 40 e na década de 50. Em Pernambuco os jornalistas criaram sua primeira associação em 1941 e fundaram o Sindicato em 1947, reflexo das decisões da Conferência Internacional do Trabalho de Genebra e do empenho em defesa da liberdade e do papel da imprensa na missão de informar e contribuir para formar opinião. No país, em 1950, houve a adoção de técnicas modernas de redação, de enfoque, sendo exemplo disso o Jornal do Brasil e a Última Hora, que inovou na contratação de pessoal qualificado, com carteira assinada e melhorias salariais.
Os avanços das técnicas, da sistematização do conhecimento, vêm se consolidando nos cursos de formação, registro de jornalistas, inerentes ao exercício da profissão. Tal fato não impede que pessoas de outras profissões exerçam a liberdade de opinar, de escrever para os jornais, rádio ou televisão. A hipótese de prejudicar uma vocação, um talento, ou ser uma reserva de mercado, não passa de argumento contra as lutas em defesa da liberdade, de princípios éticos e da qualidade da informação.
As alegações ditas jurídicas, libertárias, não justificam a decisão e outras iguais que contrariam o direito e a justiça. A rigor comprova que a instituição assume “a vanguarda do atraso”, por ser intocável, nada temer e ficar impune com as práticas de nepotismo, distorções, abafadas com ameaças do poder aos meios de comunicação.
Opinião consistente de um jornalista que sabe o que diz.
ResponderExcluirPorfírio Souza
Confusão parecida acontece há tempos com os professores, pois, muitas escolas preferem pagar menos para uma um "profissional" que tem apenas um "jeitinho bom" de ensino a um "bom diploma" nas licenciaturas. O danado é que até hoje não discutem uma maneira de garantir qualidade na educação quanto esfera privada.
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