No Vermelho, por Eduardo Bomfim:
Mestiça e orgulhosa
A língua portuguesa é uma dessas coisas produto do processo civilizatório que sobreviveu a tantas e variadas tempestades históricas. Que sobreviveu e se afirmou. Filha do latim, mas, como uma consequência da decadência do império romano, não era falada ou escrita pelas elites. Nasceu da linguagem do povão, da plebe rude.
Com o declínio e o ocaso desse império que como todos os impérios ascendem e morrem, embora pareçam sempre imortais quando em seu apogeu, o latim foi perdendo terreno para os dialetos falados pelos povos subordinados. Assim, o português do povão, da plebe rude, conheceu os primeiros passos com a autonomia para se firmar.
O mesmo aconteceu com as outras línguas descendentes desse latim imperial, como o francês, o espanhol, o romeno e o italiano. Ela era como essas outras falas originárias do latim, conversada pelos soldados, camponeses e comerciantes logo após os primeiros séculos da era cristã.
Da península ibérica espalhou-se por quatro continentes. Em cada País manteve sua unidade fundamental, mas incorporou outras palavras, coerente com as suas origens de mestiça e moura. De tal modo que é considerada por muitos linguistas como vibrante e em permanente enriquecimento.
E assim, muito viva e caudalosa, vem arrastando os modos de falar e os sentimentos dos povos da África e deste continente brasileiro, por si próprio uma testemunha e fruto dramático da maior epopéia de mestiçagem das civilizações atuais.
Muito embora alguns queriam negar o que é impossível negar e tentem absurdamente transplantar métodos de racialização e falsos discursos de etnias usados em outras terras, reeditando velhas fórmulas já condenadas pela humanidade que viveu e ainda continua a testemunhar tragédias monumentais, que parecem nunca ser o suficiente, em nome do discurso das raças, de suas purezas e supremacias.
A língua portuguesa, nem casta e nem pura desde nascença, gerou várias outras de seu ventre, que honram a sua jovem tradição porque recente e sem ares de língua nobre e acabada e por isso deixa-se mexer e remexer em sua forma tanto quanto na sua maneira de falar, de sotaques variados e melodiosos.
No Brasil da mistura de culturas e pigmentos, babilônia de gentes, herdeiro cultural das receitas antropofágicas dos Tupis, Caetés e outros, a língua portuguesa deita e rola sincretizando uma imensa nação, um laboratório de povos, uma nova civilização de sons e escritas.
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