No Blog do Sorrentino/Projetos para o Brasil:
Entrevista com Olival Freire Jr.
. Olival Freire Jr. é físico, professor do Instituto de Física – UFBa, Campus de Ondina, em Salvador. Ele tem um papel destacado na trajetória do PCdoB dos últimos 30 anos. Foi presidente estadual na Bahia e aceitou o enorme desafio de tirar o PCdoB-SP da crise dos anos 86-88. Com sua brilhante inteligência, capacidade política e talento pessoal, ele cumpriu a missão, retornando à Bahia em 1992 para dar sequência à carreira acadêmico-científica. Também aí brilhou sua luz. Tem foco na epistemologia, com inúmeros artigos publicados e participante de congressos internacionais onde vai granjeando respeito. Olival retorna agora ao Comitê Central, como cientista comprometido com o programa socialista para o Brasil, aprovado no 12º Congresso.
. Tratei com Olival algo que me fascina, tratado em outros artigos do blog: estamos no limiar de um tempo que traz modificações tectônicas até para o próprio conhecimento. Cheguei a falar em paralelo (não analogia) com os tempos do renascimento. Bem, vai como aperitivo, porque o tema promete…
Olival, as fronteiras do conhecimento humano estão se expandindo. Não é período “normal” da história humana e do conhecimento, talvez se compare com a grande obra do renascimento dos séculos 14-17. São desafios muito grandes para a epistemologia, tua área, e para a própria teoria do conhecimento. Quais são as áreas de fronteira hoje na pesquisa, como impactam o “paradigma” normal das ciências?
Eu destacaria duas grandes áreas que estão na fronteira e podem influenciar o nosso modo de pensar a ciência. O estudo dos sistemas complexos e estudos relacionados à informação, nesse caso tanto a informação quântica quanto o significado da informação em sistemas biológicos relacionados à herança. O primeiro é um campo de estudos bem definido do ponto de vista matemático, e pode ser considerado um desdobramento do estudo de sistemas dinâmicos não lineares que os físicos têm chamado de sistemas caóticos. O campo de aplicações de tais estudos é, entretanto, muito diversificado, indo do estudo de fluidos à transmissão de doenças e às redes sociais. O impacto filosófico é que no estudo de tais sistemas precisamos abrir mão da centralidade da predição na evolução de um sistema. A segunda tem em comum a referência central ao conceito de informação e podem ou não convergir ou realizarem sinergias fecundas no futuro. As aplicações são relacionadas à promessa de uso da teoria quântica para uma nova etapa na informática, de um lado, e à engenharia genética, de outro. O impacto na epistemologia ainda é pouco claro, mas é certo que uma centralidade para o conceito de informação não se coaduna com a imagem de ciências que formamos até meados do século XX.
Como impactam, digamos assim, a teoria marxista, ou mais amplamente, da transformação social? Você escreveu uma capítulo do livro de Boaventura (Conhecimento prudente para uma vida decente), mas o livro nasceu sobre o debate de um pequeno texto desse autor, Discurso sobre as ciências, que foi seminal para alguns.
Todas as teorias sociais, incluindo aquelas inspiradas na tradição marxiana, deveriam ter em conta essas mudanças na imagem que temos das ciências da natureza. Não se trata de transpor conceitos, o que seria desastroso, mas cada grande pensador, tenha sido ele um Marx, um Darwin ou um Freud, tem elaborado novas ideias de algum modo marcado pelo horizonte intelectual, incluído o científico, de sua época. E o horizonte dos dias atuais está em rápida transformação. Muitos pensadores têm tentado extrair implicações desse novo horizonte para o pensamento social progressista, e Boaventura de Sousa Santos é um desses. Eu não concordo com todas as conclusões a que ele chega, e algumas das conclusões de Discurso sobre as ciências são apressadas e pouco consistentes. O debate a que você se refere começou com um ataque de um físico português à obra de Santos, considerando-a obscurantista. De fato esse físico defendia a posição de colocar a ciência acima de qualquer crítica, o que me parece indefensável face à ambiguidade da ciência nos dias atuais. O capítulo que escrevi para o livro de Santos, uma peça original em história da física, foi uma forma de defender o conjunto da obra de Santos face a uma crítica que me pareceu infundada sem significar um compromisso com o conjunto da obra de Santos. Pouco depois escrevi com Ileana Greca um artigo onde exploramos as implicações das ideias de Santos para a educação em ciências.
Que outros autores relevantes estão pensando nessa fronteira de questões no mundo?
É difícil avaliar a relevância de um autor em linhas tão curtas. Pessoalmente considero intrigantes as reflexões do historiador norte-americano Paul Forman sobre a ciência e pós-modernismo. Acho relevante, contudo, acompanhar e refletir sobre a obra de autores que têm caracterizado o horizonte intelectual em que vivemos como próprio de um novo paradigma para as ciências. Na UFBa temos um projeto recente apoiado pela FAPESB dedicado a essa temática.
Ciência e tecnologia são forças produtivas diretas e cada vez mais centrais no processo da produção. No Brasil, em que estágio estamos e que perspectivas se abrem após 7 anos de governo Lula?
O Brasil acumulou nos últimos 50 anos um grande capital em desenvolvimento científico gozando hoje de uma posição confortável no cenário internacional. Alguns frutos desse investimento sistemático podem ser visíveis mesmo em esforços tecnológicos como o da exploração do petróleo, da indústria aeronáutica ou na produção agrícola. Os cientistas não gostam de alardear o apoio que têm recebido, afinal precisam de mais recursos e apoio institucional, mas é fato que os dois governos Lula têm revelado compreensão do papel estratégico da ciência e tecnologia promovendo políticas públicas de apoio a essas áreas. A gestão dessas políticas tem também sido favorecida pela escolha acertada de dirigentes para a execução das mesmas. Agora, a ciência e tecnologia no Brasil enfrentam os problemas que derivam de um país com fortes desigualdades sociais. A debilidade e o caráter exclusivista de nossa educação básica limitam o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Somos os melhores no futebol porque toda criança brasileira aprende em casa a jogar futebol. Podemos ser melhores em ciência e tecnologia se a educação básica melhorar fornecendo os bons cientistas e engenheiros de amanhã.
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