11 fevereiro 2010

Memórias de um quase ex-folião

Carnaval, dever e prazer*
Luciano Siqueira

Primeiro, estejamos de acordo que carnaval é antes de tudo prazer. Dever apenas para os que, por ofício ou necessidade, atravessam os dias de Momo envoltos em obrigações profissionais.

Óbvio? Nem tanto. Eu mesmo já brinquei – como dizemos aqui – o carnaval muitos anos. Desde criança, quando meu pai ornamentava um caminhão e enchia de amigos e vizinhos para o corso, em Natal, em meados dos anos 50. Eu e Airton, o irmão caçula, ainda meninos, ganhávamos um saco de confete, um tubo de lança-perfume Rodouro – para inocentemente alvejar as meninas – e rolos de serpentina. E assim foi quase que a vida inteira, até os tempos mais ou menos recentes. Então, era puro deleite, o prazer da diversão, com direito a fantasia, sonho, desejo, paquera e suas conseqüências.

Ocorre que a militância política, que em 1982 me proporcionou uma eleição para deputado estadual, introduziu (para meu desgosto) uma tentativa, da parte de companheiros de Partido, de me transformar em folião por dever. Ou seja: ao invés de por um tênis, uma bermuda e uma camiseta e saí por aí atrás de blocos pelas ladeiras de Olinda e ruas do Recife, e o que mais desse na telha, a obrigação de cumprir um roteiro tido como “politicamente necessário”. – Você tem que ir à prévia do “Lili nem sempre toca flauta”, pra começo de conversa. – Veja lá, não deixe de ir à inauguração da barraca do “Sai na Marra”, nem ao desfile do domingo, e assim por diante.

Ora, quem luta por toda a vida e põe sempre os interesses do povo em primeiro lugar, tem todo o direito de se orientar pela máxima “o dever é público, o lazer é privado”. Mais: se possível, em se tratando de festa, nunca misturar dever com lazer. Até porque ninguém jamais ganhou ou perdeu votos por ter comparecido, ou não, a esta ou àquela agremiação carnavalesca.

Como o Estatuto partidário não estabelece como dever militante fazer política eleitoral no carnaval, jamais me curvei às pressões. E assim fui trilhando minha trajetória de folião discreto, porém assíduo.

Tem até aquele episódio que o Jornal do Commercio registrou na edição de sábado passado, na coluna Pinga-Fogo, assinada por Ana Lúcia Andrade. Saí no “Amantes de Beré”, bloco improvisado por um punhado de amigos, justo no ano em que saí da cadeia. O primeiro carnaval em liberdade. (Beré era a genitora de uns quatro componentes que haviam perdido o avô fazia pouco tempo e por isso tiveram que se mandar para Olinda às escondidas da mãe). Pois bem. Numa radiosa manhã de domingo, mal pude me levantar da cama, tamanha a dor que sentia no cóccix. E nem sabia o motivo, logo esclarecido por Luci: havia me esparramado com a bunda no chão ao cair de uma mesa de bar, onde fazia inimagináveis (para um cara tímido como eu) evoluções com o estandarte do bloco. Tinha sido cachaça demais.

E hoje? Bom, agora o tempo é outro. Nos oito anos em que fui vice-prefeito do Recife, como não podia ir às ruas como simples folião, livre de segurança e cerimonial, ficava o prefeito João Paulo na fuzarca e eu me retirava para a praia. Na volta, ele se afastava para uns dias de descanso e eu tocava o governo. Mas o uso do cachimbo terminou entortando o lábio, como se diz. Já no carnaval passado voltara a ser cidadão comum, mas preferi a praia. E este ano, a coisa se repete. Sem nenhum sentimento de culpa: prazer por prazer, tanto faz a praia como as ladeiras de Olinda. Depende da vontade, livre de qualquer obrigação político-partidária.
* Publicado simultaneamente no portal Vermelho, no Blog de Jamildo (JC Online) e no Jornal da Besta Fubana.

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