A direita, a esquerda e os que fogem do assunto
Luciano Siqueira
Ariano Suassuna costuma dizer que quando escuta alguém defender a “tese” de que não há mais esquerda nem direita, de olhos fechados ele vê que o dito cujo já foi de esquerda e migrou para a direita. E deseja embaçar a triste travessia aos olhos de quem o observa.
Em sua coluna na Folha de S. Paulo do último sábado, o ex-prefeito César Maia (ex-PCB e PDT e hoje prócer do Democratas) apresentou um arrazoado precisamente para defender essa “tese” – mostrando-se, assim, um caso típico do espécime a que se refere o autor do Auto da Compadecida.
Maia usa como argumento pesquisa feita há algum tempo na França, destinada a identificar o eleitorado “de direita” e “de esquerda” a julgar pela posição assumida pelos entrevistados em relação basicamente a duas questões: mais intervenção estatal na economia versus mais liberdade ao mercado; e sobre valores comportamentais em face de temas como sexo, vida familiar, respeito às leis, etc.
A pesquisa francesa teria constatado, segundo Maia, que o “partido majoritário” na França era um misto de esquerda em relação à economia e de direita em relação a valores. Diz ainda que um tal instituto GPP repetiu no Brasil a mesma investigação, chegando a conclusão semelhante. E arremata com uma alusão à suposta passividade do povo chileno diante do golpe que derrubou Allende, segundo ele, resultante de um temor de que a estatização de grandes empresas pudesse terminar em “estatização” de bens de uso individual (sic).
Parece piada, mas não é. O ex-prefeito insinua que existe no Brasil uma base social na qual os opositores do fortalecimento do Estado como indutor do desenvolvimento (a oposição demo-tucana) possa se apoiar para se contrapor à ministra Dilma, francamente desenvolvimentista e adepta do fortalecimento do Estado nacional.
Por que, então, não diz claro as coisas? Só Deus sabe. Mas arrisco a hipótese de que ele também leu Norberto Bobbio (Direita e Esquerda. Razões e Significados de uma Distinção Política. São Paulo: Editora da UNESP, 1995.), pensador não-marxista (portanto insuspeito aos olhos de Maia), para quem o divisor de águas encontra-se na diversidade dos modos de encarar o problema da desigualdade social e de buscar resolvê-la, ou não. E por isso se envergonha de fugir da verdade inexorável de que está à direita quem defende o status quo e à esquerda quem luta por transformações sociais em favor dos explorados e oprimidos. Não ficaria bem para ele, Maia, provável candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro.
Além disso, reafirmar a receita neoliberal do Estado mínimo agora só se faz assim, tergiversando. Às escâncaras poderia comprometê-lo demais.
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