Muito glacê e pouco bolo no debate eleitoral
Luciano Siqueira
Todos, ou quase todos, têm responsabilidade nisso – e a reclamação é geral como se alguma força oculta fosse culpada. Refiro-me à pobreza (para usar uma expressão educada) do debate de ideias na peleja eleitoral prestes a se encerrar.
Pois parece evidente que, sobretudo na sucessão presidencial, mais do que nunca seria necessário se discutir os dois projetos de nação díspares, empalmados pelas coligações reunidas em torno dos candidatos finalistas, Dilma e Serra. Mas ambos priorizaram a explicitação de proposições pontuais ou setoriais, em detrimento do programa, além de recorrerem a traços de glamour que a linguagem do vídeo possibilita. É como uma desproporção entre o glacê e o bolo – adocicado demais e pouco consistente.
“Mas fomos constrangidos a isso – poderia arguir alguém do comando da campanha de Dilma -, desde que o adversário rebaixou o debate a questões religiosas e à tentativa de associar supostos casos de corrupção à nossa candidata”. E é verdade. Mas é verdade também que só agora, no fim do segundo turno, o programa da candidata da coligação Para o Brasil seguir mudando é anunciado – a despeito de seu conteúdo haver sido debatido com os partidos aliados há tempo. (Em minha campanha para deputado estadual empenhei-me na explicitação de pontos substanciais desse programa, a exemplo das reformas estruturais, vinculando-os aos problemas locais).
Serra, por seu lado, talvez tivesse maior dificuldade em apresentar propostas programáticas, tanto porque sua candidatura se mostrou anêmica, nessa matéria, desde o início, como porque viveu o permanente dilema de ser ou não ser oposição – no sentido da tática eleitoral -, levando-o a assumir boa parte das proposições da oponente, muitas das quais já em curso no governo Lula. Ou seja, a crise de identidade da campanha do tucano praticamente o impediu de se oferecer para o debate programático. Mais ainda quando focou o seu discurso em questões como o aborto e procurou reverberar o denuncismo da mídia que o apoia.
O somatório disso tudo, acrescente-se, não autoriza a cobrança que agora se lê e se escuta de comentaristas e titulares em colunas nos jornais. Eles próprios, jornalistas encarregados da cobertura da campanha, poderiam procurar minuciosamente em seus registros quantas vezes algum deles perguntou aos candidatos sobre questões cruciais (de natureza programática) para o futuro mediato do País, como as reformas estruturais e o papel da integração latino-americana no modo de inserção do Brasil na comunidade internacional. Mesmo quando Dilma resolveu centrar a tentativa de demarcação de campos com Serra na questão das privatizações de empresas estatais estratégicas, nenhum repórter ou analistas puxou o fio da meada que o tema representa para sabatinar os candidatos sobre o papel do Estado como indutor, ou não, do desenvolvimento econômico.
Quem sabe os últimos debates na TV ensejem em algum grau a explicitação de propostas programáticas. Para que as campanhas presidenciais brasileiras não resvalem para o modelo (superficial e artificioso) norte-americano.
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