Por que o amigo bebe?
Luciano Siqueira
Para quem não tem o hábito de beber, pelo menos em público, nem sente prazer com a algazarra própria das festas, frequentá-las pode ser, em certas circunstâncias, uma experiência torturante. Sobretudo se o cidadão exerce cargo público que lhe confere alguma notoriedade.
Primeiro, ao chegar ao recinto, há o dever de cumprimentar a todos, um por um, mesa a mesa - tarefa que, a depender da dimensão do evento, consome em média umas duas horas; e sempre resta cumprimentar mais um conhecido, ou que como tal se lhe apresenta. Depois, ao encontrar, a muito custo, lugar para sentar, tendo o cuidado de escolher a mesa por acaso, sem nenhum gesto que possa indicar alguma preferência (para não gerar ciúmes!), invariavelmente é castigado pela aproximação de algum conviva, sempre com uma taça de cerveja ou um copo de uísque à mão; que, senta a seu lado e, como que para cumprir algum desígnio misterioso ou insuspeitado dever lhe aborda sobre tema da atualidade:
- Então, Siqueira, qual a sua opinião sobre o escândalo da Parmalat?
E antes que alguma resposta seja balbuciada, dispara o complemento:
- E a FIAT, hein, quem diria! Você acha que a FIAT vai pedir concordata?
Veja que este é um dos exemplos mais simples. Porque às vezes a “pauta” é mais complexa. Tipo os conflitos do Oriente Médio, a polêmica dos transgênicos, a política cambial...
E há os que nem lhe deixam esboçar a resposta, preferem discorrer sobre o assunto. E alugam o seu ouvido com uma longa explanação nem sempre bem fundamentada, ou que nem dá para saber se sim, pois o ambiente de festa decididamente não é para análises nem debates.
No final de dezembro de 2004, cumprindo roteiro de almoços e jantares de confraternização, aos quais compareci no exercício do cargo, eis que surgiu um tipo novo, que até então não havia se apresentado. O “bêbado lúcido” – classifico-o assim inspirado em Antônio Maria, que dizia acreditar na lucidez dos bêbados e dos poetas. O sujeito que já tomou algumas, fala com a língua enrolada, e me pergunta insistentemente:
- Sabe por que estou bebendo? Diga aí; faço questão de ouvir...
Claro que não sei. Sequer desconfio, por absoluto desconhecimento da vida pregressa do interlocutor. Nem me interesso em saber, para falar a verdade.
- Bebo pelo Brasil e pelo nosso presidente Lula, prefeito. Porque estou com um medo danado de que a coisa não dê certo. Esse Palocci, sei não; dizem que é assim com o Malan (aproximando os dois dedos indicadores em paralelo). A economia cresce devagar, no meu ramo tem muito desemprego...
E num arremate definitivo, após sorver o uísque como quem engole uma dose de elixir paregórico, de uma única vez:
- Ou Lula acaba com o desemprego ou “eles” acabam com Lula!
É o caso de admitir: parece que o bêbado tinha razão. Ainda bem que o governo Lula deu certo.
muito boa a crônica!
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