Diário de bordo: Pajeú
Por Inácio França, no Blog Caótico
É uma beleza o silêncio na nascente do rio Pajeú. Um silêncio de asas coloridas, feito de cantos dos passarinhos que se entocam entocados nas árvores de uma colina em forma de ferradura que circunda a nascente. Da mata que cobre esse morro, aos pés da Serra do Balanço, mina a água fria que forma o pequeno poço que se espalha mais adiante e desce Pernambuco abaixo.
A nascente fica em Brejinho e, do outro lado da serra, está a Paraíba. Passei por lá numa manhã de domingo. Foi a segunda viagem para conhecer a vida, as histórias e os sonhos de uma dezena de poetas, entre centenas, que cresceram com a certeza de que o Pajeú é o berço da poesia.
O rio tem mais fama do que água, recebe mais esgoto do que versos. Mesmo assim, é o símbolo de uma região onde “poeta” é a forma de tratamento mais comum. “Bom dia, poeta”, é assim que uma senhora que passa com sua sacola a caminho da feira cumprimenta o rapaz do mototáxi na praça.
O projeto vai render mais um livro, porém ainda falta muita coisa: o título, o texto e uma viagem para conhecer a poesia que se faz em Flores, Serra Talhada e Floresta. Como da outra vez, não estou sozinho na empreitada: trabalho novamente com Tuca Siqueira, fotógrafa e cineasta, e Alexandre Ramos, coordenador do projeto, responsável por concebê-lo, articular a equipe, administrar a grana recebida do Funcultura e dirigir o carro. Quem também está nessa até o pescoço é a poetisa Cida Pedrosa, que toca as entrevistas comigo, seleciona versos e seus autores.
Até agora, uma das paradas mais emocionante foi a nossa segunda passagem por Itapetim. Na primeira ida, no início de dezembro, tínhamos conhecido e entrevistado o vice-prefeito João Archanjo, ou melhor João Galego, poeta e violeiro. Vinte depois, o coração o matou. Na volta, revelei para dona Nevinha, sua esposa, e seus filhos, que tinha a certeza de ter entrevistado um homem realizado por ter saído da roça e educado seus filhos, por organizar festivais que tiraram do anonimato vários poetas que vivem no sítio, por conseguir expressar seus sentimentos em versos. Mesmo assim, foi duro.
Há uma semana, em Afogados da Ingazeira, conversamos com a serena Izabel Goveia, uma moça de 24 anos que nos deu entrevista horas antes de pegar um ônibus Fortaleza. No final, ela revelou o objetivo da viagem. Sem um sinalzinho sequer de ansiedade, ela contou que iria se mudar de vez, que iria casar. “Vou viver uma história de amor”. Assim, como se fosse a coisa mais corriqueira do mundo.
Em Carnaíba, ficamos sabendo que a cidade tem uma banda filarmônica fundada em 1917. É provável que seja a mais antiga de Pernambuco. Mesmo assim, nunca conseguiu se transformar em ponto de cultura ou receber uma bolsa governamental. Registro isso aqui porque, como a banda de música não tem ligação alguma coisa com o projeto, não será mencionada no livro.
A internet, em vez de prejudicar, é uma ferramenta que ajuda a perpetuar a tradição poética da região. Adolescentes e jovens se articulam para organizar recitais, festivais ou até mesmo fazer poemas coletivamente usando MSN, Orkut, Facebook, twitter, Gtalk, blogs, o escambau. Para Verônica Sobral, com seus 31 anos, ou Mariana Teles, com 15, a internet não guarda mistérios.
Até mesmo Dedé Monteiro, uma espécie de lenda-vida entre os poetas do Pajeú, distribui versos por e-mail para os amigos. Aliás, quando chegamos em Tabira procurando Dedé, paramos numa praça e perguntei a um mototaxista: “O senhor sabe onde mora o poeta…” Não consegui nem terminar a frase: “…Dedé Monteiro? Vai em frente, pega à esquerda depois do sinal etc etc”.
Esse texto é só um aperitivo. Aposto que o livro sai em julho, em agosto o mais tardar.
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