Jornal do Commercio:
Filme retratará presos da Casa de Detenção
por Débora Duque
Enquanto se arrastam discussões sobre a abertura dos arquivos do regime militar, instauração da Comissão da Verdade e revisão da Lei da Anistia, sobram ações concretas que se propõem a revelar as facetas de um passado recente (1964-1985), porém, ainda nebuloso. Após o lançamento do documentário Vou contar para os meus filhos, que retrata a história de 24 mulheres que cumpriram pena no presídio do Bom Pastor durante a década de 70, uma nova tentativa de resgate histórico deverá ganhar forma de filme. Desta vez, entretanto, voltado aos ex-presos políticos da antiga Casa de Detenção do Recife, hoje Casa da Cultura. Assim como o vídeo sobre o Bom Pastor, o documentário será financiado pelo Ministério da Justiça através do projeto Marcas da Memória, cujo o objetivo é fomentar ações que resgatem casos de violações de direitos humanos durante da ditadura militar.
À frente da iniciativa estarão Lília Gondim e Yara Falcón, ex-presas políticas que viveram no Bom Pastor e também articularam a produção do filme recém-lançado. De acordo com Yara, o novo produto, ainda sem nome pré-definido, coletará depoimentos de aproximadamente 20 ex-detentos da Casa da Cultura, que funcionou como presídio até 1973, quando o então governador Eraldo Gueiros decidiu desativá-lo. O foco, entretanto, será nas pessoas que viveram na antiga Casa de Detenção entre 1964, ano do Golpe, e o fechamento da prisão.
Não poderemos fazer com todos, porque muitos já morreram e outros são difíceis de localizar, mas muitos já toparam, conta Yara. Durante o regime, não foram poucos os que passaram por uma das 160 celas do presídio, a exemplo do ex-governador Miguel Arraes, do ex-deputado Gregório Bezerra, do jornalista Marcelo Mário de Melo e do vereador de Olinda Marcelo Santa Cruz.
A previsão é que o documentário seja lançado daqui a um ano. O formato seguirá os mesmo padrões adotados em Vou contar para os meus filhos, que emocionou público e protagonistas do filme nos dois dias de exibição no Recife. O lançamento, realizado na última quinta-feira, foi prestigiado por 16 das antigas presas do Bom Pastor, políticos e ainda pela vice-presidente da Comissão de Anistia, Sueli Belloto, que considerou o projeto uma forma de “recontar e preservar as histórias das heroínas do País. A despeito do caráter didático, o vídeo, dirigido por Tuca Siqueira, não abriu mão de assumir uma linguagem poética e extremamente sensorial para contar a trajetória das mulheres (todas militantes de organizações de esquerda) que, ao chegarem ao Bom Pastor, se depararam com um ambiente menos hostil do que haviam encontrado nos porões dos quartéis espalhados pelo País. Os relatos, algumas vezes bastante duros, são mesclados com imagens leves que procuram transmitir, ao invés da crueza das histórias individuais, a simbologia de poder contá-las 40 anos depois.
O ponto de partida da narração é o reencontro do grupo no Recife, em março deste ano. São destacados momentos bem peculiares compartilhados durante o cárcere, a exemplo do nascimento filho de Helena Serra Azul, do casamento de Yara Falcón ao som do hino da Internacional Comunista ou da libertação de Vera Rocha e Nancy Mangabeira em troca do embaixador suíço. Numa das cenas mais emocionantes do filme, as antigas presas, segurando um emaranhando de fios vermelhos, formam um círculo em frente ao presídio Bom Pastor e declamam nomes de desaparecidos políticos. O documentário deverá ganhar, em julho, uma versão em DVD para ser distribuído gratuitamente em escolas, universidades, sindicatos e associações de moradores. “Esse é mais um véu que tiramos de cima da História do Brasil, sentencia Lília Gondim, uma das idealizadoras.
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