Mobilização “internética”, nem tanto ao mar nem tanto à terra
Luciano Siqueira
Para o Blog da Revista Algomais
Não é a primeira vez nem será a última que se supervaloriza o instrumento em detrimento do conteúdo. Nesse caso, parece uma onda – à semelhança das ondas reais de manifestações ocorridas no Oriente Médio e em alguns países da Europa, como a França. Atribui-se à internet – ao uso de sites de relacionamento, sobretudo – o dom de produzir grandes movimentações em praça pública, “à revelia dos partidos políticos, sindicatos e organizações estudantis clássicas”, que estariam superados.
Nessas análises ligeiras há uma clara subestimação das causas objetivas dos movimentos registrados. Como se fosse possível, por um passe de mágica, tornar real o desejo subjetivo de alguns indivíduos, que se supõe sejam em geral jovens, sem qualquer compromisso com correntes de pensamento sistematizado, transformando-os em movimentos de massas. Que em alguns lugares a organização política seja incipiente, pelo menos nas formas convencionais, tudo bem – especialmente em países árabes cuja prática democrática quase inexiste. Mas razões objetivas há, de sobra, para que manifestações de rua se produzam. Não surgem do nada. São produtos de uma realidade objetiva hostil, que parcelas crescentes da população já não suportam e contra ela se sublevam.
Mesmo no caso de Paris e outras cidades francesas, onde grandes encontros festivos regados a consumo elevadíssimo de bebida alcoólica, que recentemente tumultuaram o ambiente em fins de semana e provocaram a intervenção do governo. Se não há causa explicita, há uma espécie de rebeldia sem causa que, em última instância, reflete a realidade objetiva adversa que reclama no mínimo uma válvula de escape.
Assim, o noticiário acumula manchetes e reportagens evidentemente marcadas por um desejo – de clara conotação politica – de ver a população reagir à margem das organizações politicas e sociais. “Militantes do Facebook descobrem a política”, é um exemplo. “Pelo Twitter, milhares atendem à convocação e ganham as ruas”, outro exemplo.
Há casos em que os promotores desses atos públicos se dizem absolutamente ignorantes ou avessos à política – e são saudados como novidade benéfica!
Existe algo mais politizado do que o combate à corrupção? E por que se dá tanta corda, na grande mídia, a atos públicos nos quais os organizadores rejeitam a participação de políticos, partidos, sindicatos, entidades estudantis e até inofensivas ONGs? Por que analistas dessas manifestações tergiversam sobre o conteúdo da “causa”, obscurecendo a necessidade de medidas concretas, para além do protesto, tais como a adoção do financiamento público das campanhas eleitorais, sabidamente um antidoto eficaz às relações promiscuas entre detentores de mandato e grupos econômicos, que está na raiz da corrupção institucionalizada?
Movimentos desprovidos de conteúdo são facilmente manipuláveis pelos meios de comunicação, que procuram direcioná-los a objetivos políticos nem sempre confessáveis.
Porém na prática, nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Quem vai às ruas pelo simples desejo de protestar muitas vezes desperta para a necessidade de compreender a raiz dos problemas, ganha consciência política e se torna ativista consciente. Para frustração dos manipuladores.
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