Roberto Menezes*
Mestre Luchino Visconti:
Antes de tudo, permita que eu me apresente: um plebeu, que a vida toda foi um operário que teve suas forças físicas e mentais consumidas pelo trabalho, mas que só agora tem consciência de ter sido um proletário e não o pequeno-burguês “criativo”, que só fez engordar a mais-valia das empresas a quem prestou serviço.
Me autodenomino plebeu, pois estou me dirigindo a um aristocrata que, paradoxalmente, era militante ativo do Partido Comunista Italiano até o fim da vida. Mestre, sei que você, como eu, não acredita em outras vidas. Mas se existe sobrevivência depois da morte espero que este contato telepático chegue até sua mente, hoje sem cérebro.
Quero dizer que continuo me emocionando muito com TODOS os seus filmes, especialmente “O Leopardo”. Como quero fazer pública esta carta, não vou entrar em detalhes que revelam outras faces de beleza do seu filme “Il Gattopardo” (O Leopardo). Como sua genialidade ao colocar no final do roteiro a cena do baile, que no romance de Lampedusa (que originou o filme) não passa de uma página comum. Nesse baile de 45 minutos, a beleza resplandece junto com o presságio de morte e o cheiro de putrefação da traição política contra o povo da Itália.
Durante todos esses anos, tenho revisto este filme na televisão brasileira, na espanhola, na francesa. E há uns dez anos atrás no cinema, numa cópia renovada; sem contar o número de vezes que assistí quando do lançamento nos anos sessenta.
E cada vez gosto mais desta película de quase 4 horas de duração, feita com toda a sua extravagância, estourando orçamento (mas que produtores tinha o cinema europeu nos anos 60 ! sem eles não existiriam os filmes de Visconti , Rossellini, Buñuel e Pasolini, entre outros).
Aristocrata e grande diretor de teatro e ópera, você , Luchino Visconti, fazia questão de flores autênticas, de tecidos caros, de objetos verdadeiros nas locações onde filmava. Reformou palácios, casas de operários e camponeses, tudo para filmar nos verdadeiros locais onde os fatos aconteceram.
Você, mestre, era um tirano com os atores, mas tudo isso para fazer filmes com os mais belos enquadramentos , ritmo de montagem e expressividade dos atores.
“O Leopardo” é o grande filme do cinema em todos os tempos. Um filme belo e cruel: é a derrota da revolta popular liderada por Garibaldi, do ponto de vista das classes dominantes (a decadente aristocracia e a burguesia ascendente). O filme todo mostra o desprezo e a manipulação das elites contra o povo que se sublevou em armas. É uma lição de cinema, mas acima de tudo a maior lição de política que o cinema já deu. Considero “O Leopardo”, o ÚNICO filme marxista já realizado.
O final é chocante :sabemos momentos antes, na festa, que os desertores do exército que foram para o lado da luta popular serão fuzilados ao amanhecer. Na carruagem de volta para o palácio, a bela Angélica (Cláudia Cardinale) cochila nos braços do seu noivo, o nobre oportunista Tancredi (Alain Delon). Na carruagem vão ainda a princesa de Salinas e o pai de Angélica, típico representante de uma classe burguesa sem escrúpulos e ávida pelo poder. Ouvimos rajadas de tiros, que despertam Angélica. Tancredi a tranquiliza porque são tiros do exército. E o pai de Angélica diz : “ainda bem que o exército está fazendo a sua parte. A ordem voltou”. Os soldados do povo que, vendo a traição e a restauração da velha ordem sob roupas novas, se passaram de novo para o lado popular. E foram presos e fuzilados pelo mesmo exército que tinha apoiado a luta de Garibaldi.
“A História se faz quase sempre pelo lado mau”, disse Marx . O jovem Tancredi, que lutou ao lado dos garibaldinos, apesar de ser nobre, entrou depois no exército oficial para manter a ordem contra os “excessos do povo” ,e agora faz parte da burguesia que assume o seu papel. No filme ele ,Tancredi, diz várias vezes: “é preciso que tudo mude para que tudo continue como está”.
Alguma semelhança com os tempos de hoje?
Um abraço de agradecimento pelas lições de vida, cinema, beleza e política que seus filmes me deram.
Do seu admirador, Roberto Menezes.
(Se existir outra vida, espero encontrá-lo para uma boa conversa. Estou perto de lhe fazer companhia ; ou, se nada mais existir depois, dormir o sono eterno como os “gattopardos” da vida.)
*Jornalista e publicitário.
Recife, 21-03-12
ResponderExcluirCaro deputado Luciano Siqueira
Para quem está num quase estado de graça pelo queouviu, ontem, na Assembléia Legislativa, sobre os festejos dos 90 anos do PC do B, não sabe como agradecer a publicação do seu artigo O Futebol é um Vício.
Seu blog está supremo, principalmente pelo comentário de Roberto Menezes sobre o filme Il Gattopardo. Já nem falo sobre o filme, que também assisti, lembro o Romance O Leopardo, do Barão di Lampedusa, um dos maiores romances da literatura universal, que trata de uma Itália a se despregar de um sistema político para entrar noutro. Pareceu a queda do império romano, quando baixou a espada e alevantou a cruz e que ainda hoje domina o mundo. Lampedusa foi um romano, que soube se deitar e dormir para sempre. Parabéns Luciano e Menezes.