Luciano Siqueira
Publicado no Jornal da Besta Fubana
Na verdade, é na vida que nada deve ser visto com preconceito – tudo é a expressão da condição humana. Karl Marx mesmo escreveu que “nada do que é humano me é estranho”.
Isso vale para o cotidiano da política, talvez mais de que para qualquer outra esfera da vida. Daí a necessidade da abertura, da paciência e mesmo da compaixão – essa atitude que permite compreender as razões e as circunstâncias do outro.
Quando eleito presidente da República, Tancredo Neves recebeu uma delegação de pernambucanos formada por Miguel Arraes, Marcos Freire, Oswaldo Lima Filho, Cid Sampaio, Sérgio Guerra e eu, para dialogar a propósito do governo em formação. Num dado instante, ao mencionar um pleito de certo modo absurdo que ouvira de um interlocutor de outro estado, um dos nossos ensaiou uma observação ríspida em solidariedade ao presidente, logo interrompida pelo próprio: “Meus amigos, se quisermos construir coisas sólidas, não podemos achar nada estranho.”
Com essa observação Tancredo nos ensinava a ouvir sem preconceitos. “Nada estranho” significa que o portador de uma proposta exótica ou inconveniente há que ser compreendido, ainda que suas pretensões não sejam aceitáveis.
Viveremos agora a construção dos projetos eleitorais em cada um dos cento e oitenta e sete municípios de Pernambuco, convivendo com correntes políticas, lideranças e grupos de opiniões e motivações díspares, mesmo quando abrigados numa mesma coligação partidária. O ponto de partida é justamente esse: saber ouvir, procurar compreender, aceitar ou dissuadir, conforme o caso; e buscar, conscienciosamente, o consenso possível.
Muitas vezes pelo simples fato de que alguém foi ouvido, sem que suas propostas tenham sido repelidas antecipadamente – salvo quando “indecentes” -, abre-se um canal de diálogo que se desdobra em aliança e, na ação conjunta, mediante aprendizado mútuo, um novo patamar de compreensão da realidade e de intenções é alcançado.
A vida tem demonstrado isso, sobejamente – aqui e alhures – embora muita gente prefira “esquecer” quando diante de uma nova rodada de conversações ou de um novo episódio eleitoral. E termina perdendo a oportunidade de compreender que, tal como diz sabiamente nosso povo, o mundo dá muitas voltas – e a política também. Basta retroagir uma década na consulta aos jornais locais para verificar que não raro adversários ferrenhos de ontem se converteram em aliados hoje, sem que a travessia tenha ferido nenhum princípio ético nem ultrapassado os limites da coerência. É que a realidade está em permanente mutação e é preciso compreender com descortino, abertura e flexibilidade novos posicionamentos entre alguns que antes se contrapunham frontalmente.
E assim caminha a Humanidade, pois a vida é complexa e é preciso ir adiante no que é justo, oportuno e viável. Sem amarras nem sectarismos.
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