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Luciano Siqueira Publicado no Blog da revista Algomais Rubem Braga frequentava um café em São Paulo, no início dos anos quarenta, onde observava, posto num canto, a vender passagens de ônibus interurbanos, nada menos que o grande Artur Friedenreich, um dos maiores artilheiros do São Paulo e da seleção brasileira. Tinha vontade de lhe dirigir a palavra, mas jamais teve a coragem. Por respeito – registra numa de suas crônicas. Seria como quebrar o encanto de uma admiração que nutrira por aquele homem, ao longo de mais de uma década, e vê-lo naquela situação, relegado a um ofício outrora inaceitável para um ídolo do futebol. Não só por respeito, mas principalmente por timidez, o autor dessas linhas viveu situações semelhantes. No início dos anos sessenta, ainda adolescente, portador de uma mensagem do tio e meio-pai Paulo Rosas ao sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre, foi recebido na sala de visitas da casa-grande do engenho Apipucos (sede da atual Fundação Gilberto Freyre), ele em animada conversa com o poeta Renato Carneiro Campos. Feita a entrega, um resmungo de agradecimento como resposta e o coração acelerado pela oportunidade jamais imaginada de estar frente a frente com o autor de Grande & Senzala. Faltou coragem para perguntar algo, ensaiar uma observação qualquer. Cena semelhante se repetiria alguns anos após, no Instituto de Ciências do Homem (hoje Centro de Filosofia e Ciências Humanas) da Universidade Federal de Pernambuco. Nutria admiração quase reverencial pelo diretor, professor José Antônio Gonsalves de Mello Neto, autor de Tempo dos Flamengos e outros estudos igualmente marcantes sobre o período holandês em Pernambuco. Diante daquele homem sóbrio, invariavelmente solene no seu terno branco de linho diagonal e porte aristocrático, nada mais do que “um bom dia”. Como abordá-lo, tão distante e inacessível? A chance surgiu quando o diretor flagrou no livro de ponto a assinatura de todos os funcionários administrativos antecipadas numa segunda feira como se houvessem trabalhado até a sexta. Menos a do jovem datilógrafo, chamado à sala do diretor. - Por que o senhor não assinou o livro de ponto antecipadamente, como seus colegas? - Porque hoje ainda é segunda feira, professor. - Não lhe convidaram a assinar? - Não, professor, ninguém me convidou. - Pode ir, então. Leitor precoce de obras clássicas, apaixonado pela História, muito teria a perguntar – tanto a Freyre como a Gonsalves de Mello. Maldita inibição! Foram-se as oportunidades, ficou a timidez – que persiste até hoje, incurável. Um traço de personalidade só atenuado pela militância política, pois o dever de agir em favor de uma causa impele a arrostar toda sorte de obstáculos. Inclusive a timidez pessoal. |
A construção coletiva das idéias é uma das mais fascinantes experiências humanas. Pressupõe um diálogo sincero, permanente, em cima dos fatos. Neste espaço, diariamente, compartilhamos com você nossa compreensão sobre as coisas da luta e da vida. Participe. Opine. [Artigos assinados expressam a opinião dos seus autores].
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