Luciano Siqueira
Publicado no portal Vermelho www.vermelho.org.br
Fábrica de sonhos, festa demoníaca,
desperdício de energias e dinheiro, expressão do modo de viver de nossa gente
ou alegria guerreira. Depende do olhar de quem o vive, presencia ou analisa.
Talvez
chamar o carnaval de fábrica de sonhos seja impróprio: os sonhos o precedem,
durante a festa apenas se exteriorizam, extravasam de múltiplas formas.
Invenção do
demônio é uma pecha que lhe atribuem olhos puritanos e repressivos desde que
surgiu, dizem, nas sacristias católicas da Idade Média – como forma de
desfazer-se da carne e enaltecer o espírito.
Desperdício
para os que não enxergam as muitas nuances de toda uma cadeia produtiva que
envolve investimentos, lucros e oportunidades de trabalho. Somas fabulosas – do
merchandising à geração de empregos temporários, diretos e indiretos.
Manifestação
do modo de sonhar, sofrer, lutar, sentir e amar de nossa gente, sim – tudo
traduzido na forma de uma alegria guerreira, na expressão cunhada pela
pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco Rita de Cássia Barbosa de Araújo,
autora do belíssimo artigo “Carnaval do Recife: a alegria guerreira” (revista
Estudos Avançados – USP, abril de 1997).
É que no
final do século 19 e início do século 20 só às elites era permitido participar
da festa desfilando alegorias e clubes de máscaras, restando ao povo apenas ver
e aplaudir. Daí o surgimento de agremiações populares destinadas a lutar pelo
direito de brincar, abrindo alas e suplantando a norma iníqua e a repressão
policial. Vassourinhas, Pás Douradas, Lavadeiras, Lenhadores e tantos outros
surgiram inspirados na luta por direitos corporativos e pela liberdade de
participar dos folguedos.
Deu no que
temos hoje – no Recife, em Olinda e em muitas partes do território pernambucano
o folião cai no frevo ou se deixa envolver pelo batuque mágico do maracatu,
livre e espontaneamente, nas praças e nas ruas. Do jeito que lhe vier à telha,
sem regras nem amarras.
Um carnaval
democrático isento de proibições e restrições econômicas. Jamais pensar na
compra de abadás nem em alguns privilegiados protegidos por cordões de
isolamento no Galo da Madrugada, no Recife, ou em Pitombeiras e Elefante nas
ladeiras de Olinda. Vale a liberdade conquistada há pouco mais de um século com
muito sangue, suor e cachaça.
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