Luciano Siqueira
Publicado no
Blog da Folha
Outro dia, como ocorre com certa frequência,
um grupo de estudantes entrevistou demoradamente o vice-prefeito do Recife
acerca do período do regime militar. Perguntas várias, curiosidade comovente,
misto de surpresa diante da descoberta de fatos dramáticos da vida brasileira
(dos quais sequer suspeitavam — haviam lido alguma coisa, adiantam, mas não
tinham ainda conversado com ninguém que os tivesse vivido diretamente) e de
alumbramento, por chegarem "tão perto" (no dizer de um deles),
através do nosso relato, de coisas "quentes" de nossa História
recente.
(O bom dessas entrevistas com jovens
estudantes é isso: o despertar para o conhecimento da história real e a
descoberta do povo como protagonista dessa história).
Mas eis que, ao término da conversa,
uma jovem do rosto sardento e jeito tímido, óculos de aros escuros, que nos
chamara a atenção pelo quase mutismo e pelo olhar grave, pergunta:
- É muito mais fácil ser militante
hoje do que naquele tempo, não é mesmo?
- Não. Hoje, sob certos aspectos, é
até mais difícil.
Diante do ar surpreendido dela e dos
seus colegas, esclarecemos:
É certo, sim, que a militância
partidária, especialmente no Partido Comunista, naquela época, era muito
difícil. Atuávamos clandestinamente, sujeitos a privações e a riscos, com a
cabeça colocada a prêmio. A qualquer momento podíamos ser presos e torturados,
como de fato fomos; ou a ter a vida sacrificada, como muitos companheiros
tiveram, assassinados sob tortura ou em embate aberto com as forças da
repressão policial.
Porém, como a militância é uma opção
consciente, uma atitude subjetiva — era relativamente simples justificá-la: o
regime de exceção, o povo sufocado, vilipendiado e submetido a um modelo de
desenvolvimento excludente. Lutar era, assim, um imperativo de consciência.
Hoje já não temos nossas cabeças
colocadas a prêmio. Não corremos o risco de agravos à integridade física. Mas,
do ponto de vista subjetivo, a militância implica em encontrar respostas para
uma gama enorme de problemas teóricos e políticos — da perspectiva socialista
aos intricados assuntos relacionados com a situação política atual, desde o
governo Lula, a transição do atual modelo ao projeto
nacional-desenvolvimentista e assim por diante.
Antes sofríamos a pressão dos tanques
e das baionetas; hoje, o torpedeamento da mídia, a complexidade do debate de ideias.
Nesse sentido, a militância comunista
será sempre um desafio instigante. E também uma fonte de felicidade pessoal,
quaisquer que sejam as circunstâncias — a qualquer época.
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