Luciano Siqueira
Publicado no Vermelho www.vermelho.org.br em 2008
O torturador
entra na sala e pergunta o meu nome, num inglês arrastado, talvez tentando se
passar por agente da CIA para me intimidar. Permaneço mudo. Ele insiste, sem
êxito. Até que resolve falar em português, com claro sotaque carioca:
-
“Olha, cara, estrategicamente você serão vitoriosos. Vocês estão vencendo a
guerra do Vietnã. O mundo caminha para o socialismo. Mas taticamente você e
seus companheiros presos estão derrotados. Não querem cooperar, estão fodidos.
Só sairão vivos daqui se eu quiser. Você perdeu a guerra!”
Seminu,
algemado e preso a uma cadeira, encapuzado, o corpo marcado por hematomas e
ferimentos de muitos dias de pau-de-arara, choque elétrico e espancamento, a
cada palavra crescia em mim uma força interior que o bandido não percebia. –
Derrotado porra nenhuma! Quem disse que estou aqui sozinho, que meus companheiros
estão sós? Aqui estamos por nossa geração, defendemos uma causa, lutamos pela
Liberdade e pelos direitos do povo! Sonhamos com o socialismo! Esses merdas poderão
nos matar, porém nunca nos derrotarão!, discursava silenciosamente.
Passados
mais de trinta anos, finda a ditadura e no segundo governo Lula, de muitas
contradições mas de inegáveis avanços, derrotado foi o torturador e seus
comparsas. Nós vencemos.
A cena vivida numa sala de
torturas do DOI-CODI nas antigas dependências do IV Exército, próximo ao Parque
13 de Maio, no Recife, em maio de 1974, relembrada numa conversa em meu
gabinete com estudantes cuja curiosidade extrapolava os limites do trabalho
escolar a respeito dos chamados anos de chumbo, provocou num deles o
comentário:
- Depois de ter acontecido
tudo isso, a gente não entende por que o senhor não demonstra mágoa nem
amargura, demonstra muita serenidade.
- Porque não era nada
pessoal, a prisão e as torturas foram parte da luta do povo brasileiro que resistiu
como pôde ao regime militar.
O diálogo está entre as
muitas notas arquivadas no notebook ao longo do ano que se passou e que nesses
primeiros dias de 2008 sobrevivem à faxina (que destina à lixeira muita coisa
superada pelo tempo) porque é parte dos muitos encontros e realizações, como
diria Rainer Maria Rilke, que teimam em permanecer vivos na memória.
Vivos e úteis – como lição de
vida e de política. Pois se agora não temos que enfrentar tanques, baionetas e torturadores,
há outros obstáculos e pressões igualmente desafiadores que é necessário
arrostar com espírito público, jamais como questão pessoal, nas grandes
batalhas que se apresentam em 2008. Sem perder a serenidade jamais.
Infelizmente o mundo ainda caminha pela trilha da violência.Quando será que podemos oferecer aos nossos filhos e netos uma sociedade justa e
ResponderExcluirsem tanta luta pelo poder ?