Luciano Siqueira
Na presente década, iniciada com a assunção de Lula à presidência
da República e pelo início da transição da ordem vigente a um novo projeto de
nação, a possibilidade de expressão da vontade popular por meio de
demonstrações de rua esteve relativamente amortecida. O volume de novas
conquistas sociais progressivas e o crescimento econômico com expansão do
emprego e valorização da massa salarial e a concretização de inúmeras bandeiras
reivindicatórias alevantadas pelo movimento estudantil e outros segmentos
condicionaram, naturalmente, a mobilização de rua a alcance relativamente restrito.
Verdade que assalariados estiveram nas ruas muitas vezes,
liderados pelas centrais sindicais; estudantes
universitários e secundaristas, a convite da UNE, da UBES e entidades estaduais
e municipais; moradores das periferias urbanas, arregimentados pela Conam e organizações
de bairro e de luta pela moradia; trabalhadores rurais, pelo MST e sindicatos,
idem – pugnando por suas bandeiras específicas articuladas as com questões
cruciais para o desenvolvimento do País, como a política de juros e demais fundamentos
da política macroeconômica. Porém sem jamais atingirem o nível das mobilizações
espontâneas verificado nos últimos dias, que se espraiam por todo o País.
Tirante atitudes irresponsáveis de grupos minoritários, a
quase totalidade dos manifestantes expressa democraticamente sua insatisfação
em relação aos preços das tarifas dos
transportes urbanos e, de modo algo difuso, contra os elevados investimentos na
construção dos estádios de futebol para a Copa do Mundo, espécie de senhas para
outras reinvindicações, de cunho geral ou local, que também vêm à tona.
Que assim seja, pois na
medida em que o caráter espontâneo e difuso do movimento dê lugar a um formato consciente
e direcionado poderá fixá-lo como elemento novo na cena política nacional –
fator de pressão pela aceleração das mudanças de maior envergadura, rumo ao
alargamento da democracia e de mais conquistas sociais. E, assim, pesar decisivamente
para uma assimetria favorável entre as forças que efetivamente batalham por essas
transformações no confronto com as que resistem e desejam o retorno ao
ultrapassado modelo de financeirização
da economia e de restrição de direitos.
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