07 setembro 2013

Uma crônica minha para descontrair

Edvard Munch
Fale baixo que escuto
Luciano Siqueira


Nem falo na agressão aos nossos tímpanos advinda dos trios elétricos. Um amigo perdeu parcialmente a acuidade auditiva devido à carga gigantesca de decibéis emitida pelo equipamento usado num comício, em Aracaju. Passou perto, demorou mais de um minuto e danou-se.

Sou mais modesto – e mais exigente. Também incomoda demais aquela gritaria em restaurantes frequentados por verdadeiras multidões, todos falando ao mesmo tempo, em todas as mesas.

Outro dia precisei de muito esforço para compreender exatamente o que dizia o careca de cavanhaque da mesa ao lado, que contava vantagens para impressionar à jovem franzina aparentemente crédula e embevecida: - Nunca vendi tanto quanto nos últimos três meses!, garantia, apesar da notória retração do mercado de imóveis no período. Ou divisar com clareza se de amor ou desamor era o tenso diálogo do casal adolescente de olhos marejados, na mesa próxima, um pouco à esquerda.

Às vezes, conversar em alto e bom som (altíssimo) impõe-se necessário. Vi isso na residência de um colega de escola, ao jantar: até para pedir o açucareiro se gritava que nem palavra de ordem em passeata. É que a matriarca, bem posta na cabeceira da mesa, era quase surda.

O fato é que quem grita não tem ideia do quanto incomoda. Sobretudo se ouve pouco. A propagação das ondas sonoras faz-se em cone, literalmente da boca pra fora, em sentido inverso aos próprios ouvidos.

Mas, se tanta gente grita, provavelmente poucos são os que se incomodam. Senão, em tempos de enquadramento ao chamado “politicamente correto” – essa espada de Dâmocles sobre nossas cabeças em praticamente todas as áreas do relacionamento humano -, a obrigação de falar baixo, ou em tom moderado, já teria sido objeto de leis e de campanhas publicitárias. Se foi, desconheço. E o Google também, de resultado zero sobre o tema.

Pois bem. Integrante da provável insignificante minoria incomodada, eis que leio sobre a existência de um tipo exótico de rã que, por erro de cálculo ou capricho da natureza, não tem ouvido médio nem tímpano, mas é capaz de "ouvir" pela boca. O que lhe permite escutar com total precisão sonora todos os grunhidos que emite. Imagine se nós humanos também fôssemos providos dessa solução anatômica. Tenho pra mim que seriamos mais educados ao falar.

Mas a natureza não é perfeita, adverte o amigo Epaminondas, que me presenteou com a informação sobre a tal rã. - Aí não existiria o pregão do vendedor de verdura na feira livre, nem o discurso inflamado do líder político, nem o esfuziante grito de gol da galera... No que tenho que refluir em minha inveja da rã, porque, de fato, o ser humano não pode se privar da expressão emocionada de suas alegrias ou revoltas. 
 
Está certo o amigo. Juras de amor devem ser pronunciadas em voz baixa, sussurrante. Mas o protesto contra o trânsito infernal ou o tamanho curto do salário; e o gol do Brasil contra a Argentina na final da Copa de 2014 precisam mesmo que nossa voz se solte e se propague a infinitos decibéis. 
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