Temos projeto nacional de desenvolvimento?
Luciano Siqueira
Sim e não. Completo, não; em construção, sim. Dada assim de modo aparentemente simplista, a resposta na verdade pretende chamar a atenção para dois conceitos que permeiam a análise do PCdoB acerca do ciclo de transformações em curso no País a partir do primeiro governo Lula e que tem continuidade na atual gestão da presidenta Dilma. Refiro-me aos conceitos de transição e correlação de forças.
Isto porque frequentam os debates em torno da Tese 1 opiniões marcadas por uma visão dual e mecanicista em relação às mudanças que se vêm operando no Brasil, na última década.
Há quem se confunda no manuseio da base da análise, “o Programa Socialista aprovado no 12º Congresso do PCdoB (2009), que define a construção e execução de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND) constituinte do caminho brasileiro para o socialismo... referencial do Partido para analisar em que medida as realizações desta década contribuíram para a execução desse Novo Projeto Nacional (02)”. Não distinga o programa partidário (projeto estratégico de uma corrente política) do programa de governo (conjunto de proposições consensuadas no seio de ampla e heterogênea frente partidária e social). Faça como que uma conta de somar e subtrair, cotejando avanços e insuficiências e chegando à conclusão rasteira de que, infelizmente, ainda não temos um projeto nacional de desenvolvimento inovador.
Mas não é essa a conclusão que o Partido tira do balanço do decênio. Nem poderia ser.
Primeiro, porque são inegáveis as conquistas sociais (assinaladas com números expressivos no texto da tese), a ampliação da democracia e a afirmação da soberania nacional. Segundo, porque o Partido tem a dimensão exata dos obstáculos interpostos pela classe dominante, o setor rentista, sobretudo, mediados por uma oposição ativa e em certa medida poderosa, partidária e midiática. Terceiro, porque tem plena consciência dos entraves institucionais (o Estado brasileiro não sofreu alterações substanciais no período, permanece essencialmente a serviço das elites) às políticas públicas endereçadas aos interesses da Nação e do povo. Quarto, pela natureza mesma do processo de mudanças – “a transição de uma ‘herança maldita’ neoliberal, que aprofundou os impasses estruturais do Brasil, para a execução de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento, cujos fundamentos estão ainda em gestação dentro e fora do Estado brasileiro” (04).
Ora, desde a 9ª. Conferência Nacional e nos Congressos que se seguiram, o Partido entende essa transição como um processo naturalmente complexo, conflituoso, sujeito a idas e vindas, a avanços e a retrocessos, cujo conteúdo e ritmo são mediados pela correlação de forças.
Se no Brasil, historicamente as transições sempre se deram de forma limitada e graduais (23), esta não será diferente, tamanha a envergadura das mudanças necessárias, a importância geopolítica do Brasil e os poderosos interesses contrariados, incrustados no Estado e na vida econômica, social e política. Como bem assinala Renato Rabelo, em artigo na revista Princípios, “uma luta renhida no seio da superestrutura, entre o novo (desenvolvimentismo) e o velho (neoliberalismo) que persiste e luta por sobrevivência. Trata-se de uma unidade de contrários que explica, em grande parte, o que é – de fato – o Brasil e seu processo histórico de construção.”
Importa sublinhar que pesa no desenho da correlação de forças o nível de construção das forças subjetivas no âmbito do bloco partidário e social que governa, especialmente do Partido dos Trabalhadores, que exerce a hegemonia, ainda limitado e oscilante, a que se vincula diretamente o fato de havermos avançado muito, porém menos do que o necessário e possível. Mas também do próprio PCdoB que é chamado a arrostar desafios teóricos, políticos e técnicos novos.
Agrega-se ainda que a correlação de forças real, na década, esteve longe se apresentar solidamente favorável, especialmente porque Lula, nas duas vezes em que se elegeu presidente, não “fez” maioria no Senado nem Câmara, sendo obrigado a muitas manobras em favor da governabilidade. E Dilma, que se elegeu apoiada numa maioria de senadores e deputados federais, tem, entretanto, na composição dessa maioria, maior expressão em representações conservadoras, que desejam mudar o País, mas nem tanto. Demais, um fator decisivo, força motriz do processo mudancista – o povo mobilizado nas ruas – ainda concorre limitadamente. As manifestações de junho último, pelo seu caráter predominantemente espontaneista, pouco contribuiram para suprir essa deficiência.
Claro que esses elementos, assim considerados, não explicam o alcance ainda insuficiente das conquistas obtidas. Mas dão a dimensão dos esforços a serem realizados e da necessidade de um novo pacto político a ser celebrado – para o qual influenciarão os resultados eleitorais de 2014 -, que ponha na ordem do dia as reformas estruturais democráticas, sem as quais não será possível impulsionar o desenvolvimento econômico com inclusão social; fazer a economia crescer lastreada principalmente em investimentos na infraestrura e na produção, ainda que continue pesando a expansão do mercado interno. Pois para tanto, romper com o tripé macroeconômico das políticas cambial, monetária e fiscal conservadoras impõe-se como tarefa tão necessária quanto trabalhosa.
Um novo pacto político poderá recolocar em cena a imperiosa necessidade de um núcleo mais à esquerda, que se reflita no Parlamento e tenha respaldo das ruas, capaz de sustentar e dar rumo à ampla coalizão que governa.
Isto implica valorizar os avanços conquistados e a partir deles ir adiante. A transição não se completou e demanda muita luta para que se complete.
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