Luciano Siqueira
Do bom hábito de
enviar e receber cartas sinto muita falta. Recentemente fiquei sabendo que
estão sendo catalogadas milhares de cartas enviadas por Miguel Arraes a amigos
e companheiros de luta e a autoridades diversas, em seus mais de sessenta anos
de vida pública. Um tesouro. Registros que certamente servirão de fonte para
estudos especializados, ajudando a elucidar o sentido de acontecimentos
marcantes da vida nacional que tiveram a participação, direta ou indireta, do
ex-governador de Pernambuco.
Não almejaria tanto,
modestíssimo militante que opera a política do PCdoB na esfera provinciana. Mas
bem que gostaria de legar às filhas e netos correspondência suficiente para que
aprendessem algo lendo-a na posteridade.
Hoje a carta deu
lugar ao e-mail. Muito mais prático: depois de redigida, a mensagem chega ao
destino em fração de segundos. Pode ser respondida pelo destinatário em
tempo real. Há até quem se comunique dentro da própria casa por e-mail, a
exemplo de conhecido advogado e escritor que o faz, dialogando com a esposa
também escritora, ambos na mesma sala e envolvidos com o mister de escrever.
Para não se interromperem mutuamente, esclarece.
Claro que através do
e-mail a gente pode dizer tudo o que deseja. Falar de política, negócios (não
será jamais o meu caso, que não os tenho), saudade, desejo, amor, desamor,
reencontro, esperança. Mas sem o prazer de curtir a emoção do diálogo enquanto
manuseia o papel, sentindo a sua textura, admirando a letra do signatário ou
signatária, ou o modo mais ou menos estético como alinhou o texto
datilografado, ou ainda as ilustrações do papel-carta. Diferentemente, a
mensagem via internet a gente pode guardar, é certo, em arquivo no computador
ou pen drive, DVD ou HD-externo ou ainda num Evernote da vida, que armazena
conteúdos "nas nuvens" e os dispõe para consulta posterior. Mas é
como fotos da era digital: a gente arquiva e até esquece que existem, agora que
quase não se usam os convencionais álbuns de recordação.
Além do e-mail, as
chamadas redes sociais. Frequento o Facebook e o Twitter, por onde me comunico
com muita gente. Também em tempo real, mas sob frequente desconfiança. Aqui e
acolá alguém pergunta se sou eu mesmo ou é um assessor. Explico, pela enésima
vez, que sou eu mesmo, que a correspondência virtual trato como as velhas
cartas, de modo pessoal e intransferível.
Aliás, já li que
pessoas de vida pública que delegam a assessores o manuseio do Facebook e do
Twitter logo são descobertos e perdem seguidores. Pudera. Emoção não se
terceiriza.
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