23 janeiro 2014

Uma crônica minha para descontrair

Volpi
Pessoal e intransferível
Luciano Siqueira

No fundo, sou um saudosista. Pelo menos em relação a muitas coisas que fizeram parte do meu cotidiano durante essas mais de seis décadas de vida e ameaçam desaparecer para sempre. Do mesmo jeito que a máquina de escrever, que virou peça de museu, tanto que meu neto Miguel perguntou "o que é aquilo" ao ver uma semiportátil que guardo há muito tempo e recentemente Luci pôs como objeto de decoração numa das estantes da biblioteca lá de casa.

Do bom hábito de enviar e receber cartas sinto muita falta. Recentemente fiquei sabendo que estão sendo catalogadas milhares de cartas enviadas por Miguel Arraes a amigos e companheiros de luta e a autoridades diversas, em seus mais de sessenta anos de vida pública. Um tesouro. Registros que certamente servirão de fonte para estudos especializados, ajudando a elucidar o sentido de acontecimentos marcantes da vida nacional que tiveram a participação, direta ou indireta, do ex-governador de Pernambuco. 

Não almejaria tanto, modestíssimo militante que opera a política do PCdoB na esfera provinciana. Mas bem que gostaria de legar às filhas e netos correspondência suficiente para que aprendessem algo lendo-a na posteridade. 

Hoje a carta deu lugar ao e-mail. Muito mais prático: depois de redigida, a mensagem chega ao destino em fração de segundos. Pode ser respondida pelo destinatário em tempo real. Há até quem se comunique dentro da própria casa por e-mail, a exemplo de conhecido advogado e escritor que o faz, dialogando com a esposa também escritora, ambos na mesma sala e envolvidos com o mister de escrever. Para não se interromperem mutuamente, esclarece.

Claro que através do e-mail a gente pode dizer tudo o que deseja. Falar de política, negócios (não será jamais o meu caso, que não os tenho), saudade, desejo, amor, desamor, reencontro, esperança. Mas sem o prazer de curtir a emoção do diálogo enquanto manuseia o papel, sentindo a sua textura, admirando a letra do signatário ou signatária, ou o modo mais ou menos estético como alinhou o texto datilografado, ou ainda as ilustrações do papel-carta. Diferentemente, a mensagem via internet a gente pode guardar, é certo, em arquivo no computador ou pen drive, DVD ou HD-externo ou ainda num Evernote da vida, que armazena conteúdos "nas nuvens" e os dispõe para consulta posterior. Mas é como fotos da era digital: a gente arquiva e até esquece que existem, agora que quase não se usam os convencionais álbuns de recordação. 

Além do e-mail, as chamadas redes sociais. Frequento o Facebook e o Twitter, por onde me comunico com muita gente. Também em tempo real, mas sob frequente desconfiança. Aqui e acolá alguém pergunta se sou eu mesmo ou é um assessor. Explico, pela enésima vez, que sou eu mesmo, que a correspondência virtual trato como as velhas cartas, de modo pessoal e intransferível.


Aliás, já li que pessoas de vida pública que delegam a assessores o manuseio do Facebook e do Twitter logo são descobertos e perdem seguidores. Pudera. Emoção não se terceiriza. 

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