01 março 2014

O poeta e o carnaval

Um homem e seu carnaval 

Carlos Drummond de Andrade


Deus me abandonou

no meio da orgia

entre uma baiana e uma egípcia.

Estou perdido.

Sem olhos, sem boca

sem dimensões.

As fitas, as cores, os barulhos

passam por mim de raspão.

Pobre poesia.


O pandeiro bate

é dentro do peito

mas ninguém percebe.

Estou lívido, gago.

Eternas namoradas

riem para mim

demonstrando os corpos,

os dentes.

Impossível perdoá-las,

sequer esquecê-las.


Deus me abandonou

no meio do rio.

Estou me afogando

peixes sulfúreos

ondas de éter

curvas curvas curvas

bandeiras de préstitos

pneus silenciosos

grandes abraços largos espaços

eternamente.

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