Virando a página. Sempre
Luciano Siqueira
Em breve diálogo sobre perdas, uma amiga sentencia: - O jeito é transformar a saudade no prazer das boas lembranças.
Palavras sábias, certamente. Pois ninguém pode viver de recordações amargas nem chorando o que perdeu. Da mesma forma, se a cada momento a gente enxergar o lado ruim das coisas jamais estará de bem com a vida.
Parece aquelas futilidades dos livros de auto-ajuda, mas não é. Pura dialética, isto sim. E a dialética, em bases idealistas, desde antes de Aristóteles, passando por Hegel e ganhando fundamento científico com Marx, existe como modelo teórico da vida com ela é. As contradições movem o mundo material e a sociedade humana.
E olhe que a amiga autora da frase sábia tratava de perdas afetivas, as mais difíceis de suportar.
Ora, a vida é uma sucessão de conquistas e fracassos, de expectativas realizadas ou frustradas – no trabalho profissional, na luta política, na vida privada. Em muitas dimensões. E sempre será necessário seguir adiante, amealhando vitórias e nelas se apoiando para arrostar os desafios seguintes; e colecionando derrotas como fontes de aprendizagem.
Virar a página e partir para outra é o que cabe a cada um de nós. Sempre. Até porque certos desejos ou valores ou aspirações mais íntimas têm tradução multifacética, acontecem de um jeito ou de outro. Feito o prestigiado juiz de futebol inglês que antes tentara, com relativo êxito, a carreira de jogador. Ou o fotógrafo que sonhou um dia ser pintor. Importa viver a essência dos nossos desejos, nas formas com que se apresentam.
Agora mesmo, em tempo de celebração da resistência do povo brasileiro ao regime militar instaurado há cinquenta anos, nas muitas entrevistas que concedo, a pergunta é persistente: - Você faria tudo de novo se pudesse retornar àquela época? Minha resposta, óbvia, é sim, porque me situo nas circunstâncias de então e na percepção do que eram minha consciência política, minhas motivações e minhas emoções. A vida não é em videoteipe, não se pode voltar a atrás e fazer correções. Se assim fosse, claro que não repetiria atitudes que hoje enxergo como fruto da imaturidade. Cada coisa a seu tempo – e o tempo do aprendizado é sempre, no transcorrer da vida.
O essencial é a segurança que tenho de que faria tudo de novo, que valeu a pena resistir, como vale a pena lutar até hoje, e valerá a pena lutar sempre.
O mesmo vale para o amor. Há quem se contente com a mesmice como desígnio definitivo e incontornável. E há quem aposte na reinvenção permanente e cotidiana. Prefiro a segunda alternativa.
Publicado no Jornal da Besta Fubana
Ilustração: Miró
Em breve diálogo sobre perdas, uma amiga sentencia: - O jeito é transformar a saudade no prazer das boas lembranças.
Palavras sábias, certamente. Pois ninguém pode viver de recordações amargas nem chorando o que perdeu. Da mesma forma, se a cada momento a gente enxergar o lado ruim das coisas jamais estará de bem com a vida.
Parece aquelas futilidades dos livros de auto-ajuda, mas não é. Pura dialética, isto sim. E a dialética, em bases idealistas, desde antes de Aristóteles, passando por Hegel e ganhando fundamento científico com Marx, existe como modelo teórico da vida com ela é. As contradições movem o mundo material e a sociedade humana.
E olhe que a amiga autora da frase sábia tratava de perdas afetivas, as mais difíceis de suportar.
Ora, a vida é uma sucessão de conquistas e fracassos, de expectativas realizadas ou frustradas – no trabalho profissional, na luta política, na vida privada. Em muitas dimensões. E sempre será necessário seguir adiante, amealhando vitórias e nelas se apoiando para arrostar os desafios seguintes; e colecionando derrotas como fontes de aprendizagem.
Virar a página e partir para outra é o que cabe a cada um de nós. Sempre. Até porque certos desejos ou valores ou aspirações mais íntimas têm tradução multifacética, acontecem de um jeito ou de outro. Feito o prestigiado juiz de futebol inglês que antes tentara, com relativo êxito, a carreira de jogador. Ou o fotógrafo que sonhou um dia ser pintor. Importa viver a essência dos nossos desejos, nas formas com que se apresentam.
Agora mesmo, em tempo de celebração da resistência do povo brasileiro ao regime militar instaurado há cinquenta anos, nas muitas entrevistas que concedo, a pergunta é persistente: - Você faria tudo de novo se pudesse retornar àquela época? Minha resposta, óbvia, é sim, porque me situo nas circunstâncias de então e na percepção do que eram minha consciência política, minhas motivações e minhas emoções. A vida não é em videoteipe, não se pode voltar a atrás e fazer correções. Se assim fosse, claro que não repetiria atitudes que hoje enxergo como fruto da imaturidade. Cada coisa a seu tempo – e o tempo do aprendizado é sempre, no transcorrer da vida.
O essencial é a segurança que tenho de que faria tudo de novo, que valeu a pena resistir, como vale a pena lutar até hoje, e valerá a pena lutar sempre.
O mesmo vale para o amor. Há quem se contente com a mesmice como desígnio definitivo e incontornável. E há quem aposte na reinvenção permanente e cotidiana. Prefiro a segunda alternativa.
Publicado no Jornal da Besta Fubana
Ilustração: Miró
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